Kakure Kirishitan - OS CRISTÃOS ESCONDIDOS



Para entender um pouco sobre as dificuldades missionárias no Japão, é preciso conhecer um pouco da história e da cultura desse país tão maravilhoso.
Uma das histórias que mostra a importância religiosa da cultura nipônica, é a de Matsuura Hoin Shingenobu (1549-1614). Antes de liderar uma manobra de guerra contra a Coreia, o antigo samurai se vestiu de roupas finas e, num breve culto, instituiu um pequeno ritual de oferta sacrificial. Segurando um heihaku (uma oferta simbólica feita de papel), subiu ao convés de sua embarcação e, virando–se rumo ao templo de Iwashimizu, dedicada a Hachiman, o kami (deus) da guerra, curvou-se três vezes. Ao soar dos canhões, seus guerreiros soltaram também, três gritos de guerra. O supremo general, Toyotomi Hideyoshi (1536-98), enviou um mensageiro para averiguar qual a razão de tanto barulho. Shingenobu respondeu que, a bordo de seu navio, eles mostravam o respeito que tinham ao altar de Hachimam, repetindo o ritual da Imperatriz Jingu, que comandou a primeira invasão da Coreia. Toyotomi Hideyoshi ficou muito contente. A pequena cerimônia dava início a um dos momentos mais cruéis, além da guerra mais sangrenta e desastrosa que o Japão já teve. 
Esse episódio ilustra a forma cultural japonesa de relacionar todas as coisas da vida a um ato religioso. A adoração ao kami é apenas uma das muitas, feitas a diversas entidades xintoístas que recebem sacrifícios e louvores no sistema religioso Shinto. Kami é comumente traduzido por deus, e Shinto (Xintoísmo),  significa, o caminho dos deuses.

Desde o século VIII d.C. o Japão é descrito oficialmente como  "a terra dos deuses" (shinkoku) e qualquer turista hoje em dia se impressiona com a aparente onipresença das coisas sagradas na vida moderna japonesa. Santuários xintoístas (Jinja), grandes e pequenos, aparecem em toda parte. Desde altares domésticos até grandes complexos arquitetônicos. Pequenos memoriais também são santuários, como o de uma praia onde pessoas foram feitas vítimas anônimas de afogamento.  Podem até mesmo ser encontrados no interior dos templos budistas como outro lembrete visual da importância da religião e da superstição  do povo japonês. Há estátuas de pedra à beira das ruas, enquanto nos pátios de alguns templos videntes e adivinhos montam suas bancas ou barracas para ler a sorte das pessoas. Monges vestidos com roupas tradicionais vem às portas de restaurantes para abençoar os clientes. Há também cerimônias especiais para que os carros novos sejam purificados, livrando o novo dono de qualquer maldição que o proprietário anterior possa ter adquirido. Na paisagem, as torres das igrejas cristãs são as vezes avistadas, como que brotando das encostas por trás dos santuários de Confúcio. Esta situação de aparente harmonia foi apelidada de "o grande mercado religioso japonês", onde, com algumas exceções notáveis, não só as várias tradições religiosas se misturaram ao longo da história, mas os japoneses atuais também se alegram em participar de rituais de diferentes religiões. Há um ditado popular que diz, “os japoneses nascem  Xintō e morrem budistas", talvez com um casamento ou outro numa igreja cristã em algum lugar ao longo da jornada da vida.

O cristianismo no Japão teve início em agosto de 1549. Francisco Xavier desembarcou perto de Kagoshima. Este período, de cerca de 90 anos, é conhecido como o “século cristão”. Um dos lugares onde o cristianismo cresceu foi na ilha de Ikitsuki. Ali, o cristianismo encontrou um lugar bem fértil para a atividade missionária. Lá, foi onde se esconderam os primeiros cristãos japoneses, chamados Kakure Kirishitan. O daimyo (alta patente militar responsável pela segurança de uma província) de Hirado, Matsuura Takanobu, teve um de seus soldados (samurai), chamado Koteda, convertido ao cristianismo, talvez o primeiro da classe samurai no Japão. Depois disso, nos primeiros vinte ou trinta anos em Ikitsuki, e em grande parte de Kyushu (nome da região mais ampla), o cristianismo floresceu, até o famoso incidente em 1597, o martírio dos 26 cristãos do Japão em Nagasaki. Esta, a primeira perseguição, surgiu como resultado de uma decisão política de Toyotomi Hideyoshi. Desde então, os cultos e as missas católicas passaram a ser feitas em praias remotas, em sigilo e não mais nas igrejas ou nos lares.

O primeiro mártir cristão em Ikitsuki foi Gaspar Nishi. Um dos herdeiros da família Koteda. Mais tarde, em 1614, houve a perseguição de japoneses convertidos ao cristianismo e a expulsão de padres europeus. Os únicos sacerdotes no Japão a partir de então foram os que chegaram em sigilo para continuar as atividades missionárias. Na baía de Ikitsuki há uma ilha chamada Nakaenoshima, onde 16 cristãos foram executados em 1622. A ilha é hoje considerada solo sagrado para os Kakure Kirishitan.

Na conclusão do massacre aos cristãos, Matsuura relatou ao shogun que não havia mais cristãos no Japão. Porém, sabemos hoje que centenas de cristãos sobreviveram ao massacre. Ao longo dos séculos, esses sobreviventes passaram a adicionar rituais estranhos ao cristianismo. Mantinham algumas das tradições cristãs, mesmo que essas tenham sofrido distorções e adaptações do culto evangélico. Os ícones cristãos foram escondidos atrás das paredes e dos altares xintoístas ou budistas. Hoje os descendentes desses sobreviventes são conhecidos como Kakure Kirishitan ou Senpuku Kirishitan: Cristãos escondidos ou secretos.

O apostolo Paulo fala um pouco sobre como os crentes hoje, no Japão ou em qualquer lugar do mundo, podem se fortalecer durante a perseguição.

Finalmente, fortaleçam-se no Senhor e no seu forte poder. Vistam toda a armadura de Deus, para poderem ficar firmes contra as       ciladas do Diabo, pois a nossa luta não é contra seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais. Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo. Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça e tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz. Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus. Orem no Espírito em todas as ocasiões, com toda oração e súplica; tendo isso em mente, estejam atentos e perseverem na oração por todos os santos. Orem também por mim, para que, quando eu falar, seja-me dada a mensagem a fim de que, destemidamente, torne conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador preso em correntes. Orem para que, permanecendo nele, eu fale com coragem, como me cumpre fazer. (Efésios 6.10-20) 

Tudo é religioso! Vivemos num tempo onde até mesmo dentro das nossas igrejas mais saudáveis as atitudes são cada vez mais sincretistas e supersticiosas, e muitas delas mais cruéis ainda que o culto do antigo samurai. Muitas vezes, somos tão tomados de ira que passamos a ferir o nosso próximo como se estivéssemos em uma inquisição. Fazemos da nossa religiosidade um ídolo, e, em nome das sãs doutrinas ou dos verdadeiros ensinamentos da reforma, trocamos o objeto da Fé por ídolos cruéis e supersticiosos. 

Nesse último domingo, cultuamos a Deus em nossa casa. A igreja toda reunida no dia do Senhor. Sem segredo, sem sigilo. Cultuamos a Deus em espírito e em verdade. Cantamos hinos e lemos a Escritura Sagrada. Oramos intercedendo por irmãos perto e distantes. A palavra de Deus foi pregada de forma expositiva e ardente. Ao final do dia, em momentos de descontração e alegria, rimos e choramos ao conversar sobre os acontecimentos atuais. 

Hoje, no Japão, não é mais necessário nos esconder. Minha oração é que mantenhamos o evangelho de Jesus Cristo puro e simples. Que cada vida seja diariamente preparada e protegida, não por força nem por violência, mas pelo Espírito de Deus. E não seremos mais Kakure Kirishitan, apenas KIRISHITAN.

Daniel



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