Ouvindo Deus através do Silêncio
Na minha adolescência, conheci David e Sharon. Artistas da Califórnia, no primeiro impacto entraram no meu coração. A primeira música realmente me chamou à atenção, não pelo que disse, mas sim pelo que não dizia. Algumas de suas músicas, realmente expressavam em voz alta sobre diversão, arte e beleza, e, na ideia por trás delas, poderíamos encontrar a graça, desde Máquina Voadora (Flying Machine) até Enrolando no prazo (Pushin on the Deadline). Eu sempre me perguntei onde estava “Graça” naquela canção mais bonita, Something's Wrong ... Falava sobre um casal. Definitivamente tinha acontecido algo errado em suas vidas, mas, conforme o refrão repetia, "Eu sei que algo está errado, mas não sei o que é ..." Trinta anos depois, tenho uma boa ideia do que eles estavam falando na música. Mas demorou muito para amadurecer e finalmente entender que a Graça de Deus fosse falada no silêncio daquelas palavras.
Ao longo da minha adolescência posterior, eu aprendi de Paul (Simon) e Art (Garfunkel) sobre os sons do silêncio. Mais tarde, de Dave Gahat e Andrew Fletcher, aprendi a curtir o Silêncio, em Enjoy The Silence (Depeche mode). E quem quer que me conheça, provavelmente pensará: "O Daniel é mais sobre o barulho do que silêncio!" Oximoro? O silêncio, por definição, é a ausência de som, e hoje eu quero escrever um pouco sobre esse momento em que não há mais palavras para falar.
Isso é algo que eu estou aprendendo aqui no Japão. Há mais na ausência do que é dito do que no que é dito em si mesmo.
No silêncio do coração, Deus fala. Se você buscar a Deus em oração e silêncio, Deus irá falar com você. Então você saberá que você não é nada. É somente quando você percebe seu nada, seu vazio, que Deus preenche-o consigo mesmo. Almas de oração são almas de grande silêncio. - Madre Teresa, no coração do mundo: pensamentos, histórias e orações
E que o teu silencio me fale cada vez mais... Osvaldo Montenegro, fora do seu contexto (oh Moleque!)
Alguns meses atrás, assisti um documentário que mostrava o local do World Trade Center, em Manhattan. Mostrava o Memorial e o Museu Nacional de 11 de setembro, revivendo o dia horrível por exposições, áudio, vídeo e artefatos. O museu é, em grande parte, subterrâneo, um espaço cavernoso semelhante a um túmulo, que presta homenagem às muitas vidas esmagadas sob os escombros do Ground Zero. Acima do solo, a entrada do museu tem uma estética desconstrutivista, imitando um edifício parcialmente colapsado. Em ambos os lados estão as duas pegadas das torres caídas, agora fontes afundadas como parte do conceito de design memorial lindo de Michael Arad e Peter Walker, chamado "Ausência Refletora". Essas piscinas capturam uma beleza melancólica: curando e assombrando o que revelam e escondem, à medida em que as águas correm para um abismo de drenagem central, um espaço quadrado escuro, do qual não podemos ver o fundo.
O artista e autor Makoto Fujimura morava perto das Torres Gêmeas em 11 de setembro, e o trauma desse dia inflamou suas explorações artísticas e teológicas desde então (veja seu livro Refrações: Uma jornada de fé, arte e cultura, 2009). O foco de seu pensamento é a noção de que a beleza e a quebra não são opostos, mas, como no Monumento Memorial de 11 de setembro, são, muitas vezes, "necessariamente simultâneas, simbióticas". Como conclusão: "O silêncio é lindo e a beleza é silenciosa”.
Este é o tema que Fujimura retoma em seu último projeto, Silence and Beauty: Hidden Faith Born of Suffering, (Silencio e Beleza: Fé Escondida nascida do Sofrimento) um "livro sobre um livro" que reflete a novela clássica de pós-guerra de Shusaku Endo (1923-1996), Silencio, através das lentes de fé Arte, sofrimento, missão e cultura japonesa. O romance de Endo de 1966 sobre a perseguição de missionários portugueses no Japão do século XVII foi aclamado como um dos melhores romances do século XX, e agora foi transformado em um filme dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Liam Neeson e Andrew Garfield. O livro de Fujimura serve como um companheiro teológico oportuno e fascinante para o Silêncio, mas também uma reflexão atemporal sobre a natureza da beleza em um mundo de trauma, onde "ESCOMBROS" (seja 11 de setembro, Hiroshima e Nagasaki, Fukushima, ou o próprio cataclismo pessoal ) estão em todo lugar.
Cultura Fumi-e
Uma das ideias centrais da novela de Endo é o fumi-e, um ritual de perseguição instituído no shogunato de Tokugawa, do século XVII, em que os suspeitos de serem cristãos foram forçados a pisar as imagens de Jesus ou Maria ("fumi-e" ) como um meio público de renunciar à sua fé. Se eles se recusassem a permanecer no fumi, eles seriam frequentemente presos e torturados.
Em Silêncio e Beleza, Fujimura lembra seu primeiro encontro com fumi-e em um museu de Tóquio, depois de ter se convertido recentemente ao cristianismo. Ele descreve este encontro como seu "batismo" como um cristão no Japão:
O que me assombrou e continua a me perseguir até hoje, é que todas as imagens de fumi-e foram desgastadas. O elenco ou imagens esculpidas dificilmente eram reconhecíveis devido a tantas pessoas caminhando sobre eles. A imagem de Cristo, escondida sob a superfície lisa do fumi-e, serve como um emblema da fé japonesa até hoje.
Fujimura medita sobre o significado das imagens desgastadas de Cristo nos fumi-e. Ele define a cultura do fumi como "cristianismo escondido", uma cultura de lamento e trauma que descreve o Japão até hoje. E, no entanto, no rosto pisoteado, dificilmente reconhecível de Cristo no fumi-e, há ressonância teológica. Esses símbolos de perseguição e traição podem realmente mostrar a Cristo melhor do que qualquer pintura ocidental. Revelou-se linda em sua quebra, pisada por gerações de crentes perseguidos, dizendo perfeitamente no seu silencio, o Homem que é único na história "na medida em que ele conquistou o poder".
Beleza do sofrimento
O mestre cineasta japonês Yasujiro Ozu (1903-1963), produziu filmes de pós-guerra, como Late Spring (1948) e Tokyo Story (1953), que assombram por suas terríveis representações de família, beleza cotidiana e impermanência. Ozu tornou-se famoso na América em parte devido a críticas como o Paul Schrader, formador da Calvin College, cujo livro Transcendental Style in Film, de 1972, destacou o estilo de Ozu. Schrader observou que os filmes de Ozu refletem aspectos da arte zen, particularmente os conceitos de negação, vazio e silêncio. Estes são elementos fortes da arte zen, no entanto, representando presença em vez de ausência de algo. Na quietude e no silêncio de imagens de oceanos, montanhas, vasos ou outros objetos banais, a beleza cinematográfica de Ozu aborda a transcendência. Acho que isso faz parte da estética japonesa que Fujimura está explorando em Silêncio e Beleza.
Uma vez, no alto do edifício mais alto de Toquio, Takanori Kobayashi e eu admirávamos um lindo pôr de sol. Aproveitando pra me ensinar sobre as diferenças culturais entre o oriente e o ocidente, ele me disse que uma diferença entre as ideias ocidentais e orientais de beleza poderia ser entendida nos pores do sol. Os ocidentais vêem um pôr de sol como algo bonito, reconfortante, enquanto os orientais o observam como uma coisa de tristeza profunda, um lembrete diário da impermanência. Ambos os modos vêem beleza, mas a entendem de forma diferente. O último não encontra tensão entre o lamento e a beleza, mas vê-os como inextricáveis, em uma espécie de yin-yang. É a mesma razão pela qual, na cultura japonesa tradicional, as flores de cerejeira (Sakura) são consideradas mais bonitas quando estão caindo. É a beleza da efemeridade.
A cultura japonesa vê beleza nobre na morte, decadência, sacrifício. Algo como o martírio é uma coisa linda. É por isso que as autoridades japonesas que procuraram livrar o país do cristianismo no século 17 instituíram cerimônias de fumi-e e o pisar de imagens. Eles perceberam que a morte de cristãos só alimentaria o crescimento da fé cristã. Os líderes cristãos que causaram vergonha pública ao negar sua fé eram um meio mais efetivo de reduzir o crescimento do cristianismo no Japão. Mas, como sugere o Silence de Endo, o método fumi-e não extinguiu completamente a chama. Os últimos momentos do romance encontram o padre Rodrigues, pisoteando o fumi-e e a forma que foram desonrados aos olhos da igreja, sugerindo que mesmo em nossas falhas e silêncio, Deus ainda fala: "Mesmo assim, eu sou o último sacerdote nesta terra. Mas nosso Senhor não estava em silêncio. Mesmo que ele estivesse em silêncio, minha vida até hoje teria falado sobre ele ".
Deus fala através do silêncio (e do som)
Deus fala através do silêncio. Esta é uma ideia em Silencio e também uma forma que Fujimura explorou durante grande parte de sua carreira, fazendo a arte de estilo nihonga (pintura japonesa) literalmente sobre a beleza da ruptura, com camadas de minerais pulverizados que criam refracções únicas de cor e luz. As noções de vida da morte e a alimentação do rompimento devem ser familiares e preciosas para os cristãos que vêem a beleza de Cristo na cruz, e que praticam uma forma redentora de fumi-e regularmente com elementos de comunhão feitos de pão partido e uvas pisoteadas (vinho).
No entanto, tanto quanto o sofrimento, o silêncio e a quebra de nosso mundo pode ser uma maneira paradoxal de ouvir de Deus, também devemos ter cuidado para não fetichizar o sofrimento. Hoje existe uma tendência entre muitos cristãos de se revoltarem em ruptura e enfatizar demais o sofrimento como forma de se encontrar com Deus. Muitos filmes sombrios e obras de arte de cultura nihilísticas podem ser justificados e louvados através desta lente. Mas podemos ir muito longe ao celebrar a "autenticidade" da escuridão e a experiência ressonante do sofrimento? Eu acho que sim.
Fujimura principalmente elogia o silêncio, mas faz essas questões importantes:
Um romance sobre os fracassos da fé pode ser edificante aos cristãos e aos outros? Quando um artista atravessa a linha entre descrever o caos, ou mesmo descrever o mal, e realmente participar da diluição da fé?
Nas belas obras da criação, pela PALAVRA, viemos a ver Deus. Na vida daqueles que conhecem a PALAVRA, viemos a testemunhar a Deus, no entanto, na pessoa de Jesus, no seu sofrimento do Calvário, no silencio de suas palavras, que no começo era a PALAVRA, e pelas palavras “Esta consumado”, conhecemos Deus.
O silêncio pode ser bonito, instrutivo, esclarecedor. Essas verdades não foram suficientemente enfatizadas no cristianismo ocidental. Como Fujimura observa nos últimos capítulos do livro, o paradigma do "silêncio e beleza" deve estar especialmente presente nos esforços da missão na cultura de fumi-e "cristã-escondida" do Japão.
Mas não devemos parar por aí. O sofrimento, o silêncio, o mistério e o oculto são aspectos importantes da história cristã, mas não os únicos. O evangelho é fundamentalmente uma boa notícia, afinal. A ressurreição molda o cristianismo como um paradigma de esperança. A cruz e o túmulo vazio, como a "ausência refletida", as impressões do World Trade Center ou os ritmos diários de um cenário e sol nascente são dois lados de uma linda história. Na ideia de sofrimento particular e individual que não foi dita na letra de David Covington. Um sem o outro está incompleto. O silêncio é ainda mais belo no contexto do som, num mundo em que Deus falou, abriu o vazio: "Que haja luz" (Gênesis 1.3, cf. 2Coríntios 4.6).
Sharon N David Covington Thank you, Daniel, for remembering us kindly, and for the specificity of your interaction with our music. We clearly remember you as that 14-year-old we liked right from the gate--and had no idea the music had touched you or that you'd remember. We have appreciated Mako's work, though not as deeply familiar as you are, and we were moved to read of the culture of Fumi-e--new to us and deeply stirring. Thanks for including us! (copied from Facebook comment)
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