Memorial Day, Apropriação Cultural e a Verdadeira Cidadania


Nos Estados Unidos, 31 de maio é Memorial Day. O que é e por que celebramos essa data? É um dia para homenagear homens e mulheres que morreram durante o serviço nas Forças Armadas dos EUA; e é um dia em que os americanos em todo o país prestam homenagem, muitas vezes, visitando cemitérios militares ou memoriais. 

Ao fazer uma postagem em mídia social, lembrando dessa data, sempre me perguntam por que eu, brasileiro, fico postando essas homenagens. Lembro-me daquilo que faz parte da minha cultura. E aí vem as risadinhas e mi-mi-mi: “mas isso é apropriação cultural... Não pode!” 

Marco os dias, entre outras muitas datas, como o Veterans Day, 4 de julho, Labor day, Chanukah (Hanukkah) (Festival das Luzes), Rosh Hashanah (Ano Novo Judaico) ou o dia de Lembrança do Holocausto ou Martin Luther King Jr. Day. Essas datas fazem parte da minha cultura! Fazem parte da cultura de milhares de irmãos e amigos, que, mesmo pensando diferentemente sobre o significado, fazem parte da história do mundo.

Uma vez, busquei o auxílio de um endocrinologista, pra perder peso. Ele, gordo demais pra dar conselho de perda de peso, tomou ofensa quando eu, jogando conversa fora, falei que gostava muito da cultura judaica. Disse, “...não é só por gostar de coca cola que eu terei direito à cidadania americana! Vou falar pro Bill Clinton que sou americano por gostar de McDonald’s!” Oh moleque! O que dizer sobre, hoje, o mundo estar tão misturado e tão etnicamente dividido.?

Essa semana marca o sétimo ano que moramos no Japão. Tem sido uma experiência incrível — aprender a dirigir em um lado diferente da rua e no lado errado do carro, adaptando tudo que já aprendi sobre princípios transculturais – vivo transculturalmente desde antes de nascer! Por muitas gerações até; e vou reaprendendo como pronunciar palavras em inglês para que alguns daqui ou mesmo estrangeiros possam me entender (ex. MossserMother, burackoBlack, SabissucouteruService Counter). Além da língua inglesa, minha língua maternal, até mesmo no português, onde o certo é errado e o errado é certo, sou frequentemente corrigido por um “conserteza” ou coisas dessa monstruosidade… milhares de outros ajustes, grandes e pequenos. Eu nem estou falando sobre a língua japonesa, onde já confundi uma furadeira com roupas íntimas (punchu com pantsu)... NIHOHG-GO WAKARANAI! Não confunda com WAKARENAY...

Sou o caçula de três filhos: Filhos da terceira cultura. Filhos de missionário/pastor. Totalmente meio brasileiro, de ascendência paterna que vai João Ramalho e Índia Bartira e, materna, americana, totalmente meio americano, ascendência aos peregrinos e cowboys, até mesmo às bruxas em Salem ou aos xerifes da Virgínia. Em casa, a brincadeira era que papai tinha casado com a mamãe tendo em vista os dólares americanos, e ela, por sua vez, queria a herança do Barão de Cocais! Eu me orgulhava de ter realeza na minha cidade natal! Sim, a Rainha Silvia da Suécia. Imagine a hora que descobri que sou primo (bem longe... assim, muitas gerações) da Rainha Elizabeth! Sou parente de Geoge Bush e Barack Obama, pergunte aos gêmeos. Família em Jamestown e Plymouth – de um Brasil colônia a marcha em Washington pelos direitos civis, até a noite das buzinas e diretas já. Tudo faz parte da minha história. Estava em viagem, quando as torres gêmeas caíram e quando a pandemia do Covid19 começou. Não é o estilo de cabelo, o brinco ou a roupa. Não é a cor do cabelo ou da pele. Não é o tanto de idiomas que se fala. Deve haver algo mais que venha nos definir.

Minha nora é Yonsei, isso é, neta de japonês. Minha neta é... nunsei? (piada pobre) — Sei que é linda! A mãe da minha nora tem nome que se assemelha ao árabe, e meu pai tem nome de polonês. Se eu sou ½ brasileiro e ½ americano, meus filhos são 1 oitavo de americano (¼ da Márcia e ¼ meu), o que faz da minha neta, 1 dezesseis avos americana e 1 dezesseis avos japonesa.

Sou um vira-lata, e pra falar de cor, sou ruivo e muito sardento. Misturado que nem paçoca no pilão. Embora minha tia (que é realeza) tenha me dito que tenho sangue tão azul que quase poderia ser um smurf! (talvez na estatura!). Cidadão brasileiro residente no exterior, tive muito o que me acostumar. Alguns dias, sinto-me pertencer a este lugar. Sei como andar por aí, conheço os bons usos e costumes, consigo usar as moedas corretas para pagar as coisas e faço alguma piada sobre algo local que as pessoas entendem. Outros dias, parece que estou a quase 20.000 km de casa. Estou bem longe de casa, e para me consolar, ainda ontem, eu cantarolava a canção de Wesley e Marlene – Sou peregrino nessa jornada, tendo tudo e não tendo nada...

De onde você vem é uma das coisas mais importantes sobre você. Ele forma sua cosmovisão, dita suas oportunidades e desempenha um papel importante em sua identidade. É uma das primeiras coisas que amigos e estranhos se perguntam uns aos outros.

Nasci em Araras, cresci no interior, experimentando o melhor e o que Deus tem de melhor (esse as vezes dói) em dois mundos. Fui morar nos Estados Unidos, e lá, eu era um menino estrangeiro, na verdade, mais americano do que a maioria dos meus amigos, mas isso não importa... Morando em Philadelphia, aprendi que a América é um caldeirão de etnias. Todo mundo que eu conhecia era ALGO/AMERICANO... (Jewish/American, Korean/American, Mexican/American, Lebanese/American e eu Brazilian/American).  Alguns eram só estrangeiros mesmo: irlandeses, ucranianos, italianos, checos, gregos, e muito mais. Mesmo que não importe a nacionalidade, ascendência ou descendência. Parece que ainda incomoda, mas, não importa ser conhecido como o buradirungin e amelicangindess (como falam aqui no Japão) ou Brazilian e latino-, mas isso não importa... (como falam nos EUA, já fui chamado de Mexican kid), ou gringo ou americaninho nos rincões do meu Brasil. 

A história do Portela é parecida: Ele nasceu no Brasil, filho de brasileiro e canadense, a mãe dele, filha de holandeses. Casou-se com canadense nascida no Quênia, criada na Índia e em Bangladesh. Seu primogênito nasceu enquanto eles eram missionários em Bangladesh, tendo dupla cidadania, canadense e brasileira. As três meninas, nascidas no Brasil, que de brasileiras, só o passaporte, pois viveram quase a vida toda no Camboja. 

Há um ditado na Armênia (foi o que o Leonzinho – filho de imigrantes - me falou...) que diz que gato que nasce no forno não é pão. Experimenta chamar o brasileiro de argentino. Chamar libanês de turco. Me lembro do polaca batata que dizia "Nós naun serra alemã, noss a serre brrrazileirra!" - Formas que podem ofender e, as vezes, até conseguem – mas não deviam... Isso, porque existe uma identidade mais concreta que vai muito mais fundo do que simplesmente a personalidade que temos ou o lugar de onde viemos. Seja qual for a imagem ou cor de nossos passaportes, se somos cristãos, então nossa nacionalidade não nos define. Jesus sabe. 

Filipenses 3.20 coloca assim: Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.

Não entenda mal. A nacionalidade é importante e devemos agradecer a Deus por onde ele permite que vivamos. No entanto, por meio da adoção pela família de Deus, nossa lealdade primária não é a uma bandeira, um estado ou um país. É para Jesus Cristo.

“Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”- Gálatas 3.28. Esta tradução, usa a frase "judeu nem grego". A NVI a traduz menos literalmente como "judeu nem gentio". De qualquer forma, este versículo relata uma mensagem maravilhosa sobre a unidade que temos em Cristo

Na época do Novo Testamento, a cultura grega era dominante no Império Romano, do qual Israel fazia parte, então, havia uma distinção básica feita entre judeus e gregos. (Gregos podem se referir àqueles que viveram de acordo com as práticas da cultura grega, fossem eles etnicamente gregos ou não. Hoje há muitos não judeus que não são gregos e que não seguem a cultura grega, então a palavra gentio pode dar um melhor senso do que a passagem está dizendo.) Os judeus eram o povo de Deus e, os gregos/gentios, não.

Além de judeu e grego, Gálatas 3.28 lista dois outros pares contrastantes: masculino e feminino, e escravo ou livre. Quando Paulo diz que "não há judeu ou grego", homem ou mulher, ou escravo e livre, sabemos que ele não está falando literalmente, pois todos esses tipos de pessoas existiam tanto nos dias de Paulo quanto em nossos dias (apesar da inclinação de gênero). Paulo não está dizendo que as diferenças não existem, mas que, em Cristo, elas não importam. Novamente, esta não é uma afirmação absoluta de que as diferenças foram completamente abolidas, como alguns interpretam, porque o Novo Testamento gasta um bom tempo dizendo como homens e mulheres devem agir em seus papéis únicos, e do comportamento próprio de escravos e senhores, especialmente escravos cristãos e senhores cristãos (ver Efésios 5.21-6.9 e Colossenses 3.18-4.1, por exemplo). Mas dentro do contexto da discussão de Gálatas 3, essas diferenças não importam. Quando consideradas fora do contexto de Gálatas 3, elas podem ter uma grande importância. Gálatas 3.28 não pode ser citado isoladamente para “provar” que não há ou deveria haver diferenças.

Por exemplo, o Todashi foi com a família num parque de diversões. Ele me contou que o Odichan (avô) ralhou na bilheteria porque escolheram ir ao parque pra usufruir dos descontos especiais. Mas, era terça-feira, e na terça todo mundo (crianças, adolescentes, adultos, professores, estudantes, idosos etc) pagava meia. Então, quando a família chegou no guichê, o vovô disse ao bilheteiro: “Não se esqueça o desconto de idoso”, o bilheteiro respondeu “Não importa”. Ele não quis ser rude ou dizer que toda a experiência de vida que o vovô acumulou era inútil. Ele também não está dizendo que as dores da idade não o afetarão hoje. O que ele está dizendo é que, dentro do contexto da coisa do dia, os preços dos ingressos já tinham desconto, e o fato de o avô ser idoso (ou veterano da segunda Guerra ou do Todashi ser universitário) não importava; ou seja, esses fatos, por mais importantes que sejam em outros contextos, simplesmente não afetam os preços dos ingressos na terça-feira. As distinções não importavam..

Gálatas 3.26–29 fornece um contexto mais completo: “Portanto, em Cristo Jesus, todos vocês são filhos de Deus pela fé, porque todos vocês que foram batizados em Cristo se revestiram de Cristo. Não há judeu nem gentio, nem escravo nem livre, nem há homem e mulher, pois todos vocês são um em Cristo Jesus. Se você pertence a Cristo, então você é semente de Abraão e herdeiros de acordo com a promessa".

A consideração específica é a identidade da descendência de Abraão, isto é, os que são filhos de Deus e qualificados para herdar as promessas que Deus fez a Abraão. Seria normal pensar que os judeus fossem descendentes de Abraão e, portanto, os únicos elegíveis para receber as promessas de Deus; mas Paulo diz que, em Cristo, gregos ou gentios também podem ser filhos e herdeiros de Abraão. Seria normal pensar de  homens como sendo herdeiros, porque naquela cultura as mulheres geralmente não herdavam propriedades. Seria normal pensar que apenas pessoas livres poderiam ser herdeiras, porque os escravos não herdam — eles foram dados como uma herança. No entanto, Paulo diz que em Cristo escravos, mulheres e gregos podem ser herdeiros das promessas de Deus.

Em Cristo, não importa a sua identidade étnica, seu gênero ou posição na vida. Se você está em Cristo, é um dos escolhidos de Deus e pode herdar tudo o que Deus prometeu. É somente por meio de Cristo que qualquer pessoa pode herdar o reino de Deus (João 14.6). Embora ainda haja distinções étnicas, de gênero e sociais, que ainda têm peso em muitos contextos, elas não afetam a posição de alguém como filho de Deus pela fé em Cristo.

O que significa ser um cidadão do céu?
Bem, como qualquer cidadão, de qualquer país, existem benefícios que vêm com nossa cidadania divina. Somos embaixadores a serviço do Rei dos Reis, que é mais poderoso do que qualquer exército terrestre. Temos permissão para entrar em sua presença a qualquer momento, assim como temos o direito de estar em nossa nação.

Esses benefícios também vêm com responsabilidades. Os cidadãos adotam a cultura e os comportamentos de sua nação. Como cidadãos do céus, temos a responsabilidade de demonstrar o reino de Deus aqui na terra. É por isso que Jesus nos ensina a orar: "Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu" (Mateus 6.10).
O meu anseio é de ver o que João viu. “Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos;” (Apocalipse 7.9) 

Onde quer que você esteja lendo isto e de qualquer lugar, você pode escolher hoje viver como um cidadão do céu. Essa mentalidade vai transformar a maneira como você ama e serve ao mundo ao seu redor!

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