Venha o Teu Reino




O Sermão do Monte não é apenas um texto muito bonito. De fato, no curso deste único sermão, Jesus toca em mais de vinte temas, todos dignos de nossa atenção. Aqui, no entanto, nossa preocupação é com apenas um deles: as instruções do Senhor a respeito da oração. Para ser mais preciso, uma petição encontrada dentro de Oração do Senhor. Quando nos ensinou a maneira pela qual devemos abordar nosso Pai celestial, Jesus nos ensinou a orar: "Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu" (Mateus 6.10). Muitos de nós recitamos essas palavras durante anos, mas quantos sabemos o que Jesus queria dizer?

A fim de entender esse pedido, é necessário também entender algo sobre o conceito bíblico do "Reino de Deus". Os judeus piedosos na época de Cristo estavam esperando o reino de Deus (ver Marcos 15.43), mas o que deu origem a essa esperança? Os primeiros capítulos de Gênesis deixam claro que o plano de Deus, desde o início, tem sido estabelecer seu reino na terra. Tragicamente, quando o primeiro homem e mulher ouviram as palavras da serpente, Satanás tornou-se um usurpador e estabeleceu um reino do pecado (ver João 12.31; 14.30; 2Co 4. 4). Deus, porém, não ficou surpreendido por nada disso, nem abandonou seu plano original. O restante da Escritura é a história da obra de restauração daquilo que tinha sido corrompido pelo pecado. É a história da redenção.

Muitas gerações depois de Adão, Deus prometeu a Abraão que por meio dele todas as nações da terra seriam abençoadas e que dele viriam reis (Genesis 12.1-3; 17.6), indicando que o seu propósito redentor continuou a incluir o plano para estabelecer um reino. Mais de 400 anos mais tarde, quando trouxe a Israel da terra do Egito, Deus designou-lhes um "reino de sacerdotes" (Êxodo 19. 6). Israel era para ser uma manifestação do Reino de Deus em uma pequena parcela de terra. A nação era para ser um tipo do seu reino escatológico sobre toda a terra. Antes de que os Israelitas entrassem na terra prometida de Canaã, Moisés disse ao povo que eles iriam definir para si um rei escolhido Deus depois que entrassem (Deuteronômio 17.14-20). Após a conquista sob o comando de Josué, e um longo período de declínio sob uma série de juízes (cerca 1400-1050 A.C), o povo de Israel recebeu Saul sobre si como rei. Saul, porém, foi desobediente a Deus, sendo substituído por Davi. (1Samuel 16).

Depois de Davi ser ungido rei sobre todo o Israel (2Samuel 5.3-4), ele conquistou a cidade de Jerusalém, e trouxe a arca da aliança para a cidade. Quando Deus tinha dado a Davi descanso de todos os seus inimigos, este expressou seu desejo de construir uma "casa" para Deus, um templo permanente, em vez do tabernáculo (2Samuel 7.1-3). A resposta de Deus a Davi se encontra em 2Samuel 7.4-16. Aqui, Deus prometeu que ele mesmo iria construir uma "casa" e estabelecer o reino da descendência de Davi para sempre. O plano de Deus para estabelecer seu reino na terra alcançou uma nova etapa com o estabelecimento dessa aliança perpétua com Davi e com a descendência dele.

Quando a monarquia de Israel começou a declinar, a aliança davídica se tornou o centro em torno do qual os profetas iriam construir as suas mensagens de esperança para o futuro. Eles esperavam a vinda de um novo rei Davi, um Messias, o qual iria estabelecer um reino justo (por exemplo, Isaías 9. 6-7; 11.1-10; Daniel 7.13-14). Eles antecipam a vinda de Deus para governar o seu povo (por exemplo, Isaias 35.4; 40:.. 9-10; Zacarias 14.5). Em uma passagem significativa, Isaías aguarda com expectativa a vinda do reino de Deus com as seguintes palavras: "Como são belos sobre os montes os pés do que traz boas novas, que proclama a paz, que traz a boa notícia de felicidade, que proclama a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina" (Isaías 52.7).

Quando João Batista e Jesus vieram anunciando e pregando "Arrependam-se pois o reino dos céus está próximo" (Mateus 3.2; 4.17), estavam falando de algo sobre o qual os judeus piedosos esperavam de antemão ao longo dos séculos. Quando Jesus foi por toda a terra proclamando o "evangelho do reino", estava trazendo a "boa notícia" do advento do Reino de Deus que Isaías havia previsto (Mateus 4.23; 9.35).

Então, quando Jesus, no Sermão da Monte, ensina seus discípulos a orar: "Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu", há uma montanha de pano de fundo no Antigo Testamento sobre este conceito. O reino de Deus era algo que os judeus estavam esperando. Durante a época de Jesus, os judeus ainda concluíam seus serviços na sinagoga com uma oração (o Kaddish), que é muito semelhante a esta parte da Oração do Senhor: "Exaltado e santificado seja o seu grande nome no mundo que criou de acordo com a sua vontade. Possa ele deixar seu governo do Reino em sua vida e em seus dias e durante a vida de toda a casa de Israel, rapidamente e em breve. Louvado seja seu grande nome de eternidade a eternidade. E a esta palavra: Amém".

Aqueles que leem esse pedido na oração do Senhor a respeito do reino dentro do contexto de todo o livro de Mateus notam algo surpreendente. Em algumas passagens, o reino é descrito como algo iminente. João e Jesus declaram que "o reino de Deus está próximo" (3.2; 4.17). Em outros lugares, Jesus fala do Reino como realidade já presente: "Se, porém, eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós" (12.28). No entanto, em suas instruções a respeito de como orar, Jesus ensina seus discípulos a pedirem para que o reino de Deus venha, demonstrando que o mesmo ainda não chegou (6.10). A frase, "venha o teu reino" é paralela à frase "a sua vontade seja feita". Na verdade, essas duas frases, bem como a frase "santificado seja o teu nome" têm exatamente a mesma construção no texto grego subjacente às nossas traduções para as línguas modernas. Há uma conexão entre as três petições. Parte do que significa vir o reino de Deus é que o nome de Deus seja santificado e que sua vontade seja feita na terra como no céu.

Podemos entender o ensino do Novo Testamento sobre o reino de forma mais clara quando compreendemos o fato de que, para os autores do Novo Testamento, o termo "reino" (em grego: basiléia) refere-se mais frequentemente ao reinado verdadeiro de Deus e não a um território específico de governo. Também é importante perceber que, para os autores do Novo Testamento, a vinda do reino, ou reino de Deus, não ocorre em um único momento no tempo. Em vez disso, a vinda do Reino envolve uma série de eventos que ocorrem ao longo de um período de tempo. Quando declara que o reino de Deus já veio e ainda que está vindo, Jesus está dizendo que o último ato profetizado no drama da redenção já começou, mas ainda não chegou à sua conclusão. Em outras palavras, Jesus está dizendo que estamos agora no meio do último ato.

O reino já veio com a vinda de Jesus. A ele já foi dado todo o poder no céu e na terra. Mas ainda oramos: "Venha o teu reino". Por quê? Porque na terra, ainda existem aqueles que não se submetem a seu governo. Quando oramos, "Venha o teu reino", estamos orando para a extensão continuada do reino de Deus na terra. Estamos orando para que Deus converta o coração de seus inimigos, levando-os a confessar Jesus como Senhor. Estamos orando para que ele transforme aqueles que se recusam a submeterem-se sob seus pés (Salmo 110). Estamos orando para que venha o dia em que todo o mal, todo pecado e toda rebelião contra Deus sejam finalmente erradicados.

Também temos de compreender que, quando oramos para que venha o reino de Deus e para que sua vontade seja feita assim na terra como no céu, a realização dessa petição começa em cada um de nós. Devemos nos perguntar se estamos santificando o nome de Deus. Devemos nos perguntar se estamos fazendo a vontade de Deus. Como cristãos, somos aqueles que afirmam já serem submissos ao senhorio de Cristo. Já somos cidadãos do seu reino, e ele já é o nosso Rei. Mas, somos súditos fiéis? Ou somos rebeldes? Se oramos da maneira como nosso Senhor instruiu, devemos ser aqueles que vivem na maneira como nosso Senhor instruiu.

Daniel Charles Gomes

Comentários

Postagens mais visitadas