De quimonos e missões



Pouco tempo antes da minha família mudar-se para os EEUU, fui ver o filme “Karate Kid: A hora da verdade”. Já estava na faixa laranja de Caratê e tinha uma enorme paixão pela arte. Na verdade, era coisa de baixinho... Não gostava do jeito como algumas pessoas provocavam pela minha estatura. Ao assistir ao filme e me mudar para a América, resolvi me reinventar. Aprimorei-me nas artes marciais, lutei bastante e até tive um sucesso significativo. Aos dezesseis anos, já era faixa preta e segurava o título de Campeão Peso pesado da Nova Inglaterra (Boston Open Martial Arts Tournament 1990) – Oh moleque! Juntamente com as artes marciais, sempre me interessei pela cultura japonesa. Mais tarde, num acampamento de crianças em que trabalhei, exibi meu Quimono na noite de missões, simulando os trajes japoneses. Sempre tive uma paixãozinha pelo Japão (hora escondida – hora expressada).

Ser missionário me mostrou como a arte e a cultura podem ser valiosas no evangelismo, mas qualquer cristão pode aplicar essa instrumentalidade da arte e da cultura, em qualquer comunidade, em casa ou no exterior.

Francis Schaeffer contou uma curta, mas comovente, história sobre a visita a uma faculdade cristã. A equipe da faculdade falou sobre uma "comunidade hippie", a qual fazia vinho com a tradicional pisa da uva. Curioso, Schaeffer atravessou o vale para ver como era feito o vinho de uma maneira mais tradicional, e na esperança de encontrar também alguém para conversar. Ao iniciar seu evangelismo, foi surpreendido ao ver que aqueles que julgava perdidos também tinham algo para mostrar aos crentes, os quais também precisavam de resgate. Eles apontaram para a faculdade cristã e disseram: "Olhe para isso; não é feio?" Certamente e comumente a arte tem sido esquecida na nossa vida: arte e beleza. Schaeffer fala sobre a sua resposta:

E foi! Eu não podia negar. Era um prédio feio, sem nem mesmo uma árvore ao seu redor. Foi então que eu percebi que terrível situação era a nossa. Quando eu estava em terreno de crentes, ao olhar para os “bohemios”, vi beleza. Eles tinham meticulosamente escondido a fiação elétrica, e investido seu tempo para fazer da paisagem um fator agradável. Então, eu estava em solo pagão e olhei para a comunidade cristã e vi feiura. (Poluição e a Morte do Homem)

Acho que uma das particularidades dessa história é que ela pode nos lembrar de uma verdade chocante, e desesperadamente necessária, quase uma parábola: os cristãos, muitas vezes, ignoram a forma poderosa e visceral que a arte e a cultura podem ajudá-los a transmitir a mensagem do Evangelho. E, inversamente, ao usar a cultura corretamente, expressamos o Evangelho de um modo profundamente significativo, que não é apenas "ganhar almas", mas redimir toda a pessoa, de uma forma mais bíblica, honrando a Deus e louvando a sua majestade na expressão da arte.

Para usar as palavras de parábola de Schaeffer, como cristãos, quando saímos para o mundo e chegamos aos lugares mais boêmios e cheios de vivacidade e vitalidade, os quais se expressam através de uma arte desprovida de Cristo, nosso trabalho é apresentar a história do cristianismo. Oro para que, através do nosso esforço, o Espírito Santo faça nascer muitos novos cristãos para ocuparem os lugares anteriormente não cristãos. Que tipo de cristianismo estamos oferecendo? É também cheio de arte e beleza? Ou é como o "edifício feio" – vazio, entulhado, sem adornos, e pouco atraente em comparação?

A verdade é que existem muitos aspectos da arte em todas as culturas que sugerem ideias bíblicas; ao não engajarmos na cultura como um todo, perdemos valiosas oportunidades: compreensão das pessoas ao nosso redor, mostrar o nosso amor a quem ministramos, independentemente de se tornarem cristãos ou não.

Menosprezamos as pessoas ao nosso redor em um sentido muito real, importante e espiritual quando não mostramos o lugar legítimo da arte. Em muitas situações, usar a arte como uma analogia ou um trampolim para discutir o pensamento cristão ajuda a transmitir ideias difíceis de uma forma intuitiva, emocional, atraente, destacando simultaneamente um ponto em comum e universal da mensagem cristã. Porém, quando deixamos de incorporar os aspectos culturais em nosso evangelismo, tornamos mais difícil a transmissão das boas-novas de Jesus e seu ensinamento, injustamente adicionando um fardo para o crente. Mais do que isso, não procurarmos maneiras de participar da cultura, com um olho para o evangelismo, não é realmente um modelo muito bíblico.

Paulo muito habilmente aplicou conhecimento e paixão pela filosofia grega como uma ponte para Cristo em Atenas (Atos 17.16-34). Ele escreve em 1Coríntios 9.22-23, “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele.”

Nós podemos continuar o legado de Paulo hoje, adotando uma atitude semelhante. Não deixar a Cristo, não abraçar o pecado, mas, ao mesmo tempo, olhar ansiosamente para esses pontos de conexão espalhados pela arte. "Tornar-se tudo para com todos" pode ser interpretado, penso eu, como imergir-se na arte em prol do Evangelho.

No entanto, quero sublinhar que, assim como é errado evitar a cultura inteiramente no campo missionário, também é errado usá-la apenas de forma pragmática. As pessoas são inteligentes. Mesmo que procuremos usar a arte como uma forma de evangelização, se fizermos isso superficialmente, negando por meio de nossas atitudes ou palavras e suas implicações a mensagem que queremos transmitir, passaremos a mesma impressão de um vendedor de carros usados ​​ansioso para descarregar o seu mais recente "negócio". Se você realmente ama o povo do Brasil, do Japão, Camarões, Índia, China, Angola ou Sudão, aprenderá a amar a sua cultura também.

Essa ideia de arte e evangelismo tem transformado radicalmente a forma como me aproximo de minha vocação como missionário no Japão. O Japão é um país notoriamente difícil de ministrar, em parte por causa da aparente apatia de muitos japoneses quanto à religião em geral. Outra dificuldade é a xenofobia generalizada; os japoneses realmente acreditam que são um povo único e que os produtos japoneses são inerentemente melhores do que produtos de outros países. Isso é verdade também quanto às religiões. Os japoneses julgam que a sua múltipla religiosidade supera qualquer necessidade do Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Não é um exagero dizer que para um japonês, Cristo é o Deus do Ocidente: é interessante, mas não aplicável nem acessível nem mesmo desejável para a sua própria vida.


Não bastou fantasiar-me de japonês. Abraçar a arte e entender a história e a cultura do Japão tem me ajudado a ser um missionário melhor aqui. Mais importante, analisar a cultura pop ao redor para passo a passo transformar pedaços da cultura e arte em "pontes para o evangelho", certamente proporcionará uma forma extremamente útil para compartilhar o amor de Cristo com nossos amigos, vizinhos e as pessoas de nossa igreja.

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