À flor da pele




          A pele é o maior órgão de todo o corpo humano e graças a ela nos relacionamos com o meio ambiente. É mais do que uma barreira contra infecções e outros agentes agressores externos, é através da pele que podemos perceber o frio ou calor, distinguir diferentes texturas e consistências, sentir dor, e manifestar carinho ao toque.

          Ao tocarmos qualquer coisa, deixamos umas marcas chamadas impressões digitais. Alem destes resíduos, a pele verte 50.000 células a cada minuto. A pele morta é responsável por cerca de um bilhão de toneladas de poeira na atmosfera.

          A pele é uma criação especial de Deus. E uma das principais funções da pele é para ajudá-lo a "sentir" o mundo ao seu redor. Há pelo menos cinco tipos diferentes de receptores na pele que nos ajudam a responder à dor e ao toque. E em pessoas cegas, o cérebro torna-se religado permitindo responder aos estímulos recebidos através do toque e audição. Assim, o cego literalmente "enxerga" o mundo através de toques e sons.

          A capacidade de tocar e "sentir" o mundo que nos rodeia é fundamental para nós.  Na década de 1940 foi feito um estudo entre 26 crianças num orfanato. Alguns bebês foram separados do contato humano, e uma única enfermeira cuidava de sete crianças evitando tocá-las. No primeiro ano de idade, os bebês isolados pareciam ter menos curiosidade. Brincavam menos e eram mais suscetíveis às infecções.  No 2º e 3º ano de vida, das 26 crianças do orfanato, apenas duas andavam e balbuciavam algumas palavras.

          Há momentos em que as emoções superam a razão, em que os sentimentos brotam como o suor que sai da pele. Quando estamos à flor da pele, cansados de dor e de culpa, muitas vezes, decidimos alienar os sentidos e viver como se nada mais pudesse nos tocar. Uma espécie de “lepra espiritual”. Para essa doença, o Senhor nos proporciona ataduras e unguentos de cura para a alma. É preciso um milagre que nos faça sentir e identificar aquilo que deve ser mudado no nosso caráter.

          Um dos primeiros registros de curas de Jesus foi de um leproso.  Interessante, porque os leprosos eram considerados "intocáveis".  A hanseníase é uma doença terrível. Se não for tratado, quem tem hanseníase pode morrer nuns dez anos. Geralmente começa com uma sensação de cansaço e dor nas articulações. Surgem manchas escamosas na pele, e o corpo se enche de feridas. A pele também exala maus odores, dificultando o convívio e o cuidado com os doentes.

          Pior do que não sentir o toque, a lepra priva a vítima da capacidade de sentir o que se toca. A doença ataca o sistema nervoso, comprometendo a habilidade do corpo de sentir dor. O leproso pode pisar em uma pedra ou um espinho e ferir o pé, sem dor e inconsciente da lesão. O conjunto de infecções no corpo e nas extremidades, eventualmente, causa necrose e faz com que as partes lesadas caiam. Ou o leproso pode tentar lavar o rosto em água escaldante e cegar-se.  Ou ele pode se aproximar muito de um fogo e não perceber que está queimando.

          Nos tempos bíblicos, havia uma discriminação de quem sofria desta doença. Eram "impuros" – proibidos de entrar no templo; proibidos de ter contato com seus parentes e familiares. Ao aproximar-se de um leproso, tinham de avisar gritando "impuro, impuro".   Não podiam tocar e nem ser tocados por ninguém.

          Tocar um leproso era expor-se à doença e o risco de ser infectado.  Mas dentre as primeiras curas que Jesus realizou, foi a de um leproso. Qual será o motivo que Jesus escolheu para curar o leproso? Aquele homem representava uma sociedade como a nossa. A ausência da percepção de Deus, ou a recusa de seu toque é a lepra que hoje nos impede de gozar a Deus e glorificá-lo diariamente. Insensíveis à alegria que nos é dada mesmo durante as lutas.

          Em Mateus 11 quando João Batista estava na prisão e ouviu falar sobre o ministério de Jesus, enviou alguns dos seus discípulos para indagar: “Você é o único que está por vir, ou havemos de esperar outro?” E Jesus respondeu-lhes, “Vá e diga a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos vêem e os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e aos pobres está sendo pregado o evangelho”. Em outras palavras – É como se Jesus dissesse se você quer saber se eu sou o único que estava por vir, preste atenção no que faço. Quando acusado de chamar a Deus de pai, Jesus declarou: “Mas eu tenho maior testemunho do que o de João; porque as obras que o Pai me confiou para que eu as realizasse, essas que eu faço testemunham a meu respeito de que o Pai me enviou”.  João 5.36

           Das pessoas curadas por Jesus, o leproso foi talvez o mais famoso. Mas a verdadeira história aqui não é que Jesus curou o leproso. A verdadeira história aqui foi que Jesus tocou um homem que não podia ser tocado por ninguem.  Jesus usava muitas vezes, o toque nas suas curas. A sogra de Pedro foi curada quando Jesus tocou a sua mão. Ele tocou os olhos do cego e o curou.  Colocou seus dedos junto ao ouvido de um surdo restaurando-lhe a sua audição.  Ele tocou uma menina em seu leito de morte e ela ressuscitou. Nem sempre ele fazia assim, houve momentos onde tudo o que Jesus tinha de fazer era falar e o milagre acontecia, por exemplo, em Lucas 17.12-14 “Ao entrar numa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez leprosos, que ficaram de longe e lhe gritaram, dizendo: Jesus, Mestre, compadece-te de nós! Ao vê-los, disse-lhes Jesus: Ide e mostrai-vos aos sacerdotes. Aconteceu que, “indo eles, foram purificados.”

          Não houve toque ali, em vez disso, mandou que se apresentassem aos sacerdotes. Jesus não havia tocado naqueles leprosos. Mas tocou esse homem, por quê? Para mostrar a sua compaixão? Será que esse milagre precisava algo a mais do que os outros? Este homem precisava mais do que apenas a cura. Ele precisava ser tocado.

           Fui visitar a Silvia, membro de uma igreja onde pastoreei. Na porta do quarto, havia um aviso escrito: “Por favor, procurar uma enfermeira antes de entrar.” Indo para a enfermaria, um enfermeiro me disse que eles não sabiam o que a mulher tinha, mas acreditavam ser uma doença contagiosa. Ela apresentava sintomas daquela famosa gripe nos meados de 2006. Fui instruído a lavar as mãos, vestir luvas de látex, um avental e uma mascara de pano. E só então poderia ver a paciente. Da cama, ela sorriu e disse como era bom me ver. Conversamos um pouco, oramos, cantamos, e no final da visita, perguntei se havia alguma coisa que poderia fazer por ela. Ela respondeu: “Só queria que alguém segurasse a minha mão sem uma das luvas.” Depois, na análise do sangue, descartou-se a possibilidade de contagio. Fiquei aliviado, porque, julguei ser mais importante ser carinhoso do que me proteger, então eu tirei a luva, toquei suas mãos. E beijei-lhe a testa. Ela desejava contato humano. Um toque direto, sem o escudo de uma luva de borracha. Um toque de pele que mostrava o carinho e amor.  É por isso que Jesus tocou tanta gente. Jesus era o filho de Deus. Tocar as pessoas era uma das formas mais básicas que Jesus (Deus em carne e osso) mostrava às pessoas que os amava, que se importava com eles, que tinha compaixão nos sofrimentos desse mundo.

          O Toque é a forma mais básica de expressar amor e cria uma conexão entre aqueles que são tocados e quem toca.  No cuidado de ovelhas, o tratador costuma acariciar a ovelha durante a tosquia. Na verdade, isso é feito muitas vezes ao longo do dia. O motivo? Esse toque é a maneira que as ovelhas reconhecem o pastor. E sabem quem ele é, reconhecem a sua voz e percebem o seu cheiro.

          A Bíblia diz que nós somos povo de Deus e ovelhas do seu pasto. Ele cuida de nós de uma forma que ninguém mais poderia. Mostra o seu amor e carinho para conosco na maneira mais básica. Ele nos toca. Mas se o nosso coração estiver distante de Deus, podemos confundir aquele que nos toca com o próprio toque. Quando Deus atende a nossa suplica, podemos confundir a atenção do supremo pastor com algo que nos é devido. Como se Deus fosse obrigado a nos recompensar por qualquer obra que tenhamos feito. Aí esquecemos que o amor de Deus é Graça, e não mérito. Em 1João diz: “ Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor.” somos chamados para imitar o amor de Jesus. Somos chamados a ser um povo de amor. Para amar como Jesus amou, temos de aprender a tocar os outros como Jesus nos tocou.

          O chamado de Cristo determina que toquemo-nos uns aos outro sem temor.  Não só de um possível contagio (doenças físicas), mas fortalecidos espiritualmente e despidos de amargura e preconceito. Uma vez, alguém disse à Madre Teresa de Calcutá que não tocaria num leproso nem por um milhão de dólares. E ela respondeu: “O senhor não daria banho a um leproso nem por um milhão de dólares? Eu também não.”

          Jesus tocou e continua tocando a cada um de nós. A razão de querermos tocar os outros deve ser o reflexo do brilho de Deus, quer pelo toque, quer por colocar nas feridas, as ataduras e unguentos que curam a alma.

Daniel

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