De amigos caros e caros amigos




          Na garagem da oficina do Cássio, entre conversas e cafezinhos, meu amigo Pedro pediu que tirassem o escapamento do seu carro.

          “O que tem de errado no escapamento?” - perguntou o Jornal (apelido de um dos funcionários lá). “Uai, nada sô! É que o carro do meu cunhado tá sem escapamento e eu vou emprestá o escapamento do meu pra ele por no dele” - Pedro explicou fingindo um sotaque mineiro. E ainda continuou forçando a sua simplicidade capixaba pra cima do resto dos paulistas: “E óia que ocê vai ter de pô esse escapamento de vorta no meu carro quarta-feira de manhã, preu consegui passar na inspeção veicular, ein!”

          Em meio às risadas entrei no assunto: “Você vai tirar o escapamento do seu carro pra emprestar pro seu cunhado? E depois colocar de volta no seu?” Para as duas perguntas, recebi uma só resposta que guardo como tesouro: “Amigo é assim, pra quando precisa, não pra hora que não precisa. Amigo é pra essas coisas”. Oh moleque, pensei de mim mesmo.

          Há poucas coisas na vida que são mais valiosas do que um bom amigo. É bom ter amigos, não importa a quantidade. Mas às vezes a quantidade até atrapalha: "o homem que tem muitos amigos sai perdendo; mas há amigo mais chegado do que um irmão" (Provérbios 18.24).

          Para ser amigo, é preciso saber falar e também calar. “O que encobre a transgressão adquire amor, mas o que traz o assunto à baila separa os maiores amigos” (Provérbios 17.9). Ou seja, um amigo perdoa as faltas do outro e não fala nada de mal sobre seu amigo, antes, promove um ao outro.

          Alguns assuntos são delicados. Quando a verdade machuca, amigos usam de cuidado e de carinho pra falar a verdade a seus amigos. “Melhor é a repreensão franca do que o amor acobertado.  Leais são as feridas feitas pelo que ama, porém os beijos de quem odeia são enganosos” (Provérbios 27: 5-6).

          Ao contrário da sabedoria popular, amigo não se escolhe -- se é! “Quem anda com os sábios será sábio, mas o companheiro dos insensatos se tornará mau” (Provérbios 13.20). Dizem que uma pessoa é aquilo que ela come. Isso pode ser verdade em se tratando do corpo e dos hábitos alimentares.  “Diga-me com quem andas e direi quem tu és.” Eis aí um ditado que explica o resultado das companhias, boas ou más, na aparência que projetamos.  E Salomão ainda escreveu: “Não te associes com o iracundo, nem ande com o homem colérico, para que não aprendas as suas veredas e, assim, enlaces a tua alma” (Provérbios 22.24-25).  Veja também onde diz: “Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo primeira e segunda vez, pois sabes que tal pessoa está pervertida, e vive pecando, e por si mesma está condenada” (Tito 3.10). Mas esses não são amigos (são amigos do Onça)! Um comportamento reto diante de Deus vai atrair amizades sinceras.

          Uma das referencias bíblicas mais usadas para caracterizar amizade é o relacionamento de Davi e Jônatas. Amizade verdadeira e leal, fundada e sacramentada por Deus. Tem gente que gosta de maliciar, pra esses, -“caluda e chitão” (como diriam os mais velhos). “Eu sou companheiro de todos os que te temem e dos que guardam os teus preceitos" disse o salmista (Salmo 119:63). Na sabedoria de Deus, descobrimos o valor da honestidade e da retidão de forma que nossos parceiros e amigos são fonte de responsabilidade e boas obras. “Quando sobem os perversos, os homens se escondem, mas, quando eles perecem, os justos se multiplicam” (Provérbios 28.28).

          Jônatas e Davi tinham uma das maiores amizades já conhecidas. Tanto que, "Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma" (I Samuel 18.3). Este tipo de aliança tem na amizade o peso e o valor das alianças de diplomacia. Existem diferentes níveis de comprometimento entre diferentes alianças, contratos e pactos. O vínculo nos relacionamentos é obviamente diferenciado entre irmãos, pais, filhos, cônjuges, sócios, funcionários, governantes e conhecidos em geral, mas, se o compromisso do pacto com Cristo for levado às ultimas consequências, as amizades poderão assumir a personificação da dor, da lesão e ter um custo altíssimo. Amizade é a relação de Cristo com a igreja, de entrega. Assim mesmo, um amigo ama a seu amigo como a si mesmo. Na risada e no choro. Quando o amigo é forte e quando ele é fraco. Leve ou pesado. Quando ele acerta, mas também quando ele peca.

          Pedro foi amigo de Jesus, dentre os mais íntimos, Pedro demonstrava sua energia e fidelidade em palavras, mas em alguns momentos nos evangelhos, lemos como ele também vacilava. Suas bravatas eram conhecidas de seus amigos. Desde o início, ele parece ter sido o porta-voz para os outros discípulos, o homem que se destacou do grupo.

          Pedro foi o primeiro a afirmar que Jesus é o Messias. (Lucas 8.29,  Marcos 9.20). “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo.” Pedro estava ciente da divindade de Jesus e mostrava sua fé e discernimento. Posteriormente,  negou conhecer a  Jesus, revelando uma falha de coragem, mesmo que apenas por um momento, em face do perigo -- tivesse acontecido antes, quando Pedro andou sobre as águas mas depois afundou sob as ondas... (Mateus 14.28-31). Mas em ambos os casos, foi um lapso de curta duração que poria qualquer outro relacionamento a perder. Isso tudo mesmo sendo previamente advertido por Jesus. Pedro, indignado, refutou a ideia e declarou que, mesmo se todos os outros discípulos abandonassem a Jesus, ele lhe seria fiel até a morte. Mas, chegado o momento, Pedro fez tal como Jesus previu, negando o Senhor.  Quando percebeu o que fizera, e que Jesus estava certo, Pedro ficou profundamente envergonhado e chorou amargamente (Mateus 26.75; Marcos 14.72).

          A negação de Pedro não diminuiu a confiança que Jesus tinha no amigo. Na manhã da Ressurreição, Pedro foi o primeiro homem a quem Jesus apareceu -- já havia aparecido às mulheres que vieram ao túmulo de manhã.  Depois disso, Pedro emergiu como líder da igreja primitiva.  Foi o primeiro “a levantar sua voz” (Atos 1.14-39) e pregar no dia de Pentecostes, o dia em que surgiu a igreja. Ele serviu como um defensor para os apóstolos, quando levados perante o tribunal judeu, em Jerusalém (Atos 4.5-22). Ele era o árbitro em questões contenciosas dentro da igreja (atos 5.1-10). Pedro se mostrou o melhor amigo de Jesus. Mas não pelo valor de Pedro em si mesmo, mas pelo seu lastro em Cristo.

          Os amigos são indispensáveis nesta vida. Quanto mais o tempo passa, mais valiosa se torna uma amizade. Muitos amigos estão mais próximos do que irmãos. Há algo especial sobre ter um amigo em que você pode confiar, contar seus segredo e planos, e também partilhar a vida. Dizem que compartilhar a tristeza é reduzi-la à metade, mas que uma alegria partilhada é mais que do multiplicada. “Não abandones o teu amigo, nem o amigo de teu pai, nem entres na casa de teu irmão no dia da tua adversidade. Mais vale o vizinho perto do que o irmão longe” (Provérbios 27.10).

          O custo e o valor das amizades têm por lastro o sacrifício na cruz. Isso aumenta o valor de cada amigo e o anseio de estar junto como ele no calor da luta e na solidão do luto. Não desvaloriza pelo uso, antes, causa mais estima. Não como ferro que se gasta em faíscas, mas como bom vinho, melhora com o tempo e no final da garrafa traz alegria e singeleza de coração. São tão amigos, para aqueles que têm como ataduras e unguento, ou como remédio para a alma ou como Provérbios 27.9 diz: “Como o óleo e o perfume alegram o coração, assim, o amigo encontra doçura no conselho cordial.”

          Como disse o meu amigo Pedro: “Amigo é assim, pra quando precisa, não pra hora que não precisa. Amigo é pra essas coisas.”  Amigos perduram em tempos difíceis. Provações e adversidades geralmente separam as falsas amizades. Amigos custam caro e são raros. Eu sei que para os meus eu sou caro, e os meus raros são valiosíssimos pra mim. Amigos como os laus e os corcetes da vida, os daviis e os daniéis, os emílios, os tércios, os pedros, os cláudios, os marcos, os ricardos  (e mais uns 13 que não sei como escrever o plural), são amizades do tipo que somente tem quem tem a Deus como amigo. “Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão" (Provérbios 17.17).

Daniel


Comentários

  1. Anseio Antigo
    Letra de WMG e JI

    Dá-me um irmão que saiba amar
    De lábios que construam a verdade
    De olhos que desvendem par a par
    Os rumos da justiça e bondade

    Dá-me uma mão que queira me afagar
    Que queira ter no calor das minhas mãos
    O alimento, o acalanto... pra cessar
    A dor de suas lágrimas.

    Oh, dá-me um irmão a quem eu ame
    Sem egoísmos e sem competição.
    Que com Deus queira ser um.
    Que em Deus seja mais um

    Com amizade e lealdade a espantar O frio dos corações.
    Dá-me um irmão que seja meu amigo.
    Sem que despreze os demais irmãos
    Pra que o amor quando for antigo, inspire a união de outras mãos.


    Assista - http://www.coramdeo.com.br/arsnostrum/anseio_antigo_clip.html

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  2. Rev. Daniel, meu caro sobrinho, muito bem escrito. Precioso. Abraço
    Alvaro Almeida Campos

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  3. Gostei muito do texto, gostei muito do texto
    Raquel Justino Simplicio Macedo

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  4. Hehehs ou dos amigos complicados?
    sempre bom ler seus textos
    Dr. Emilio Garofalo Neto

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  5. Meu irmão, pela fé e pelo achego, pensava sobre a submissão que uma amizade exige, lembrando do amor de Cristo por seus amigos, ao ponto de dar sua vida por eles. Sinceramente, tenho poucos amigos assim e como você. Entre irmãos, amigos se firmam pelo quanto Deus nos abençoa através deles - e quanto fui, sou e serei por você!

    Receba meu amor e carinho, desobrigado de retorno, pelo tanto que já recebi de ti.
    Ricardo Moura

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