De jeremiadas e lágrimas de crocodilo




          Na igreja que minha família frequentava, nos EEUU, um dos pastores desviou-se do assunto num dos seus sermões. Ao perceber que o jovem pastor não retornaria à pregação, um dos presbíteros, que é homem íntegro e teólogo reconhecido mundialmente interrompeu a prédica dizendo: “Irmão, irmão, pregue a Cristo e seu amor!” Ficamos surpresos com essa atitude. Que vergonha, ser chamado à atenção publicamente. Mais surpreendente foi a resposta do pregador: “Perdoem-me irmãos, vou retornar ao foco da Graça do nosso Senhor.” Simples, humilde e certeira.

          Uma vez (dizem que esse causo é verdadeiro, porém eu não estava lá), um candidato ao sagrado ministério, no interior paulista, distraiu-se diversas vezes durante o seu sermão de prova. Tentava conter-se, mas suas risadas eram cada vez mais fortes, até que no final, rompeu-se totalmente em gargalhadas, tendo de interromper a exposição. Na sessão de exame e crítica, os conciliares perguntaram ao pregador qual a razão das risadas, e ele explicou: “Durante o sermão, eu podia ver a praça por cima do biombo na porta da igreja; lá estava um homem que aparentava enorme embriaguez. Havia também um bode que dava marradas no homem. "Enquanto era só distração, consegui me conter, mas quando o bêbado se prostrou nos braços e pernas e começou a dar cabeçadas no bode, não pude me segurar!” Oh! moleque!

          Ouvimos sempre contos e causos de pregadores e pregações espalhafatosas. Qualquer pessoa que fala publicamente, pastores, professores, políticos pode passar por isso. Às vezes, distrações. Às vezes, despreparo. Às vezes, acidentes ou erros incautos. Quaisquer que sejam as situações, tristes, trágicas ou simplesmente constrangedoras, elas marcam o momento e imprimem uma espécie de rótulo permanente em quem errou.

          Às vezes, parece que temos oportunidades demais para errar na vida.  Fazemos coisas que sabemos que não devíamos, cometemos erros de percurso, de estratégia, de planejamento e até de sabotagem. Nesta semana, pesquisei um pouco a respeito da lei de Murphy. O maior consenso sobre o surgimento desta “lei” conta que Edward Murphy, capitão da Força Aérea Norte-Americana, foi a primeira vítima conhecida dessa aparente verdade; era um dos engenheiros envolvidos nos testes sobre os efeitos da desaceleração rápida em piloto de aeronaves. Para poder fazer essa medição, construiu um equipamento que registrava os batimentos cardíacos e a respiração dos pilotos. O aparelho foi instalado por um técnico, mas simplesmente ocorreu uma pane. Com isso, Murphy foi chamado para consertar o equipamento, descobrindo que a instalação estava toda errada. Daí formulou a lei que dizia: “Se alguma coisa tem a mais remota chance de dar errado, certamente dará”.

          Alguns erros são mais visíveis do que outros. Refiro-me aos erros públicos e engraçados. Mas quero trazer ataduras e unguento para os pecados que em sigilo, ferem a todos. Erros de percurso e de deformidade de caráter são realidades que causam impressões erradas a respeito das pessoas e a respeito de Deus.

          Quando um motorista comete um erro, chamamos de acidente. Se o professor erra, é uma nova teoria. O deslize de um cabeleireiro é um novo estilo ou nova moda. Entretanto, não importa quantas desculpas sejam feitas, um erro é um erro. O que Deus chama de pecado será sempre pecado. Não adianta negar, esconder, inventar outros nomes, e nem chorar. Tem gente que chora para desviar a atenção do erro. Isso é chamado de “jeremiada”. O crocodilo ao digerir um animal, pressiona o céu da boca de modo que suas glândulas lacrimais são comprimidas. Assim, enquanto ele devora a vítima, caem lágrimas de seus olhos. São lágrimas naturais, mas obviamente não significam que o animal se emocione ou sinta pena da sua presa. Daí vem à expressão "lágrimas de crocodilo", querendo dizer que, embora a pessoa chore, suas lágrimas não significam que ela esteja sofrendo, e, muitas vezes, são mesmo apenas um fingimento.

          Toda tentativa de remendo aumenta as dores de um ferimento infeccionado. Aí é quando o problema realmente começa.  “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (1Coríntios 10.12). Muitas vezes, vemos-nos fortes. Essa impressão é falsa e ilusória. É preciso atenção e cuidado para não cairmos. Quando achamos que estamos fazendo tudo certo, deixamos a cautela e a razão. O rei Davi se viu forte, iludido pelo poder disse: “Quanto a mim, dizia eu na minha prosperidade: jamais serei abalado!” Mas logo em seguida, tocado por Deus, humildemente se retratou: “Tu, Senhor, por teu favor fizeste permanecer forte a minha montanha; apenas voltaste o rosto, fiquei logo conturbado” (Salmos 30.6-7).

          Toda vez que eu acreditei em mim mesmo, ou em qualquer habilidade que pensei ter, ou me vi como uma fortaleza, de certa forma eu percebia que não ia dar certo. Como um aviso talvez. Mas a vontade pecaminosa de controle e o orgulho me roubaram a razão e fizeram endurecer o coração. Foi assim com Pedro. Bem, ele não ouviu nenhuma voz interior. Nem atendeu à voz de Jesus quando exortado.  “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia. E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá. Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens” (Mateus 16.21-23).

          A verdadeira perspectiva de quem ama ao Senhor nos conforta e produz, pela Graça mediante a fé, não apenas a salvação da alma, mas também a alegria e o contentamento durante essa nossa vida cheia de aflições (João 16.26-31). Até mesmo o apóstolo Paulo, cometia erros. Em Romanos 7.19 ele  diz: “Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço.” É a luta de todos nós. Conhecedores do bem e do mal, nós escolhemos, na maioria das vezes, aquilo que é errado. Para Paulo, Pedro eu e você, a única salvação desse ciclo terrível é a submissão a Cristo.

         Meu pai tinha uma frase assim: “Não é que eu seja covarde, mas eu brigo melhor quando estou em turma.” – Estamos bem acompanhados, agora, o que precisamos fazer é aprender dos erros. Um cirurgião ou um piloto não tem muita margem de tolerância para os seus erros. Cortar o fio errado pode fazer a bomba explodir! Mas um velho ditado “se não mata engorda”, traduz uma realidade bíblica que gera esperança. Se o Senhor do universo ainda nos concede o fôlego, se os golpes que recebemos ainda não são fulminantes, se quebrados, quebrantados e restaurados, o resultado dos erros, na restauração e no arrependimento, glorifica a Deus e anuncia que podemos ter paz com ele.

          O autor irlandês, James Joyce, disse: “Os erros são os portais da descoberta.” Alguns erros foram aproveitados e usados para coisas boas e práticas. Aqueles papeizinhos com adesivo (post-its) foram resultado de experimentos que não deram certo. O mesmo aconteceu com o teflon. A história conta que o descobrimento das Américas foi acidental. O que, talvez, Joyce poderia dizer mais, se fosse crente, é aquilo que Deus nos revela através de sua Palavra – aquilo que nos identifica como indivíduos diante de Deus – é o resultado de nossas ações, certas e erradas, mas primeiramente diante de Deus num relacionamento maravilhoso intermediado por Jesus.

          Para alguns de nós, esse caminho pode ser longo.  Mas, se no trabalho, nas provações, nos relacionamentos interpessoais, na matemática, no casamento, na família, nas pregações, todos nós cometemos erros, estes não devem nos deter em nossos caminhos. No arrependimento, não só retiramos um comportamento, mas aplicamos outra forma de agir e de pensar que se submete a Cristo.

          A queda do homem (pecado de Adão) não foi um erro de percurso, nem o sacrifício do Messias, um plano de contingência traçado por Deus. Deus projetou toda a história, coletiva e de cada um, para o louvor de sua glória. Ao avisar Pedro sobre seu erro, Jesus mostrou controle sobre as atitudes de Pedro. Não se tratou de clarividência, mas de controle e providência. Mostrou que Pedro não tinha a força que suas palavras juravam ter e, mesmo alertado, negaria conhecer a Cristo. Mas somente ao encontrar-se com ele, depois de ressurreto, havendo reconhecido e humildemente confessado que sabia de todas as coisas, Jesus o exaltou e lhe chamou para pastorear a sua igreja. “Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro entristeceu-se por ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu me amas? E respondeu-lhe: Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas.” (João 21.15-17).

          Todos os dias, como Pedro, Davi, Paulo, o pregador que falou a coisa errada, ou o outro que deu risada quando não podia, eu e muitos outros também lidamos com a vergonha dos nossos erros. Quem chora igual ao crocodilo, é portanto sem vergonha. Quem aprende dos seus erros dá aos feridos de alma, ataduras e unguento. A minha resposta a Jesus tem sido o exercício de reconhecer a própria fraqueza, confessar o meu pecado e mostrar um caminho de conforto e consolo para quem ainda está machucado. As ataduras servem para restringir e proteger as feridas. O unguento ameniza a dor e ajuda a acelerar o processo de restauração da pele sem que haja ressecamento dela.  Eu me vejo diante de Jesus, e como se eu mesmo estivesse dizendo pra ele: “Senhor tu sabes todas as coisas. Eu não sei, eu não sabia, mas eu escuto o seu mandar e obedeço. Será uma honra apascentar o seu rebanho!”


Daniel

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