De misto crente e siri com chocolate
No verão de 1988, minha tia avó, Ruth Whitney, mostrou-me um recorte de jornal, um velho New Harbor News, de julho de 1968, da pequena cidade pesqueira New Harbor, Maine, EEUU. A coluna de humor trazia uma receita: Sopa de Elefante. Não se assuste, era só de brincadeira. A impossibilidade da empreita já causava risos e posso garantir que nenhum animal, elefante (ou coelho) foi maltratado pra desenvolver esta receita. Mas aí vai:
Sopa de Elefante
Ingredientes:
Um elefante médio. Preferência ao elefante asiático, o africano não cabe na maioria das panelas ocidentais.
Três libras de sal e pimenta do reino.
20 galões de azeite de oliva extra virgem.
50 galões de água filtrada.
500 libras de vegetais sortidos, picados em cubos de três polegadas (cenoura, cebola, milho, ervilhas e tomate).
Dois coelhos grandes (opcional).
Dois dentes de alho descascados.
Preparo:
Primeiro, cortar o elefante em pequenos cubos (duas vezes o tamanho dos vegetais). Isso pode levar uns dois meses.
Refogar os cubos de vegetais adicionando lentamente os cubos de carne em uma panela no fogo baixo. Quando a carne estiver levemente corada, adicione a água filtrada não permitindo fervura.Cozinhar por dois dias.
Serve 3.500 pessoas;Se mais pessoas vierem para saborear esse prato, você pode adicionar os coelhos para disfarçar o elefante, porém, cuidado para não levantar a lebre.
Adicionar dois dentes de alho e azeite a gosto. (http://www.topix.com/city/new-harbor/July/1968//colums-elephant-stew)
Gosto de cozinhar – e de comer! Já inventei pratos bons (já ouviu da Picanha PHD? A Corvina Engessada? Ou dos sushis e sashimis que eu faço?). Uma vez, comi batata doce com marshmellow (receita tradicional do Alabama). Lá em Goiás, foi difícil comer galinhada com pequi na primeira vez, hoje, eu sou fã. Algumas receitas deveriam ser proibidas. Oh! moleque... Algumas receitas são perigosas, não só nos atributos culinários, mas em algumas combinações e escolhas que podem, em curto e longo prazo, surtir efeitos maléficos à saúde, e doloridos no coração.
Numa das igrejas em que pastoreei, certa vez, ouvi um bafafá a respeito de um dos jovens que planejava ir à Parada do Orgulho Gay, de São Paulo. Chamei o rapaz sobre quem falavam para conversar. Conversa importante, com hora marcada no gabinete pastoral e tudo. Ao questioná-lo sobre o assunto, ele prontamente me adiantou: “Olha pastor, eu vou, mas eu não sou desse jeito aí não, sacou? Eu vou é pra roubar celular e bater carteira...” Aí, eu parei. Não dá nem pra dizer o meu “oh! moleque”. Naquele tempo, eu achava já ter visto tudo nas igrejas. Mas essa foi nova. Essa foi dolorida. É uma receita que não dá certo. Uma atitude tão fora da realidade que se torna impensável. Segundo a consciência do rapaz, roubar não apresentava motivos de repreensão.
Na mesma região, porém em outra igreja, uma jovem, filha de um dos líderes locais, veio me perguntar se poderia namorar um rapaz não crente. Disse-lhe que “tudo bem”, sem mais explicações. Dias depois outra moça disse que estava gostando de um rapaz não crente, mas temia entristecer a Deus se iniciasse um envolvimento romântico. A esta, mostrei alguns problemas que certamente viria a enfrentar.
Questionado sobre a diferença dos conselhos, respondi a um amigo que a primeira, apesar de membro da igreja, não demonstrava nenhum traço de regeneração. O rapaz que ela queria namorar, mesmo não sendo membro compromissado de nenhuma igreja, tinha uma postura mais recatada do que a moça demonstrava. A segunda jovem enamorada preocupava-se mais com agradar a Deus e obedecer a seus pais, e confiava no conselho de quem ela acatava a autoridade.
Nos três casos, há a diferença nos compromissos de gente igrejeira e de gente que ama a Deus. Falar sobre relacionamentos, hoje, tem sido difícil. Muitos falam inverdades e falam sem amor. Proibir relacionamentos ou receitas é complicado. Complicado porque envolve áreas da vida em que ninguém gosta de mexer. Falar sobre namoro é sempre complicado. A mera idéia de um acordo em que uma pessoa, a título de pertencer ou de conhecer, concede privilégios à outra pessoa (segurar a mão, beijos, carinho, etc.) já estabeleceria que uma busca de intimidade física independe da profundidade do conhecimento e do respeito à pessoa com quem se relaciona – e de como ambos se relacionam com Deus.
Tradicionalmente, a razão do namoro proporciona, na melhor das intenções, um momento para desenvolver uma relação exclusiva que visa a formação de família. Na pior das intenções, um momento que permite aos namorados explorar a intimidade e cultuar o prazer. O namoro é ou torna-se um assunto complicado, sob qualquer ótica. Especialmente quando se trata de religião e religiões.
Quem cresceu num lar religioso e igrejeiro, e vê o cristianismo como apenas uma tradição, tem dificuldades para relacionar-se com alguém de outra religião. Mas, alguém que está seriamente interessado em servir a Deus, e se compromete com o compartilhamento da vida (ou parte dela) com quem não vislumbra a alegria de relacionar-se com Deus em primeiro lugar, abre espaço para enormes feridas.
Entregar o coração e o corpo sem conhecimento, sem pacto, contrato, aliança, ou qualquer lastro externo de comprometimento, na maioria das vezes, é fazer de uma pessoa estranha alguém que se torna possuidor do outro. Os direitos e deveres que namorados têm, afetam todas as escolhas feitas a partir dessa associação. De o que vestir até como falar e a quem ouvir. Na minha mocidade, chamávamos esse prato de “misto crente”. Um colega pastor disse aos jovens da igreja que esse tipo de namoro é como misturar leite achocolatado com siri. A receita não combina, e é difícil de engolir.
Não há na Bíblia sequer um versículo que proíba o crente de namorar um não-cristão porque o próprio conceito de namoro também não está na Bíblia. No entanto, se o namoro contempla construir uma base para união, teremos de rever nossos conceitos. O cortejo é uma tradição relativamente nova e estranha à cultura cristã/judaica. A Bíblia relata muitos enamorados e apaixonados. Fala de beleza, fala de gostos. Fala de gestos amáveis e de paixão. Conta também dos pecados nos relacionamentos, mostrando os vícios de um mundo caído. Mas acima de tudo, revela a vontade do Criador quanto à sua relação eterna com a sua noiva virtuosa – que foi resgatada da perdição e trazida para o reino do Filho do seu amor. O compromisso tem mais a ver com Deus do que com o outro, e só assim poderá ter uma relação como o outro.
Comumente, ouvimos histórias de cristãos e não-cristãos que namoraram e eventualmente vieram ao conhecimento de Deus. Mais tarde, casaram-se e têm a vida centrada em Cristo. Ou aqueles casais que não deixam religião ficar no caminho. Ambos estão dispostos a comprometer e deixar o outro parceiro livre para crer no que quiser e viver da maneira que lhes convier. Parece bonito, mas não é realista. Nem tão promissor assim. O relacionamento de muitos casais, dentro ou fora da igreja, na maioria das vezes, mostra mais uma busca de si mesmo, debaixo do mesmo teto e cobertor. Não compartilham uma fé inclusiva, sofre dores e conflitos que, quase sempre, leva a uma separação e divórcio.
Tenho chorado com amigos e amigas que partiram para caminhos diferentes. Na lei de Moisés, a dureza de coração (isto é, de um coração impenitente) era o único motivo para o divórcio. Muita gente é rápida para identificar a dureza no coração dos outros, e tardia para reconhecer a própria dureza. Diante da novidade (caduca) de uma separação, é comum que tomemos o partido de um ou de outro. Quem seria a parte errada? O que foi que não deu certo? No entanto, a raiz dos problemas relacionais é mais individual do que relacional. Traições, agressões, desconfianças, incompatibilidades, e outros “pratos”, são resultados da rebeldia contra Deus.
Andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo? Rugirá o leão no bosque, sem que tenha presa? Levantará o leãozinho no covil a sua voz, se nada tiver apanhado? Cairá a ave no laço em terra, se não houver armadilha para ela? Levantar-se-á o laço da terra, sem que tenha apanhado alguma coisa? (Amós 3.3-4).
Assim diz o SENHOR: Onde está a carta de divórcio de vossa mãe, pela qual eu a repudiei? Ou quem é o meu credor, a quem eu vos tenha vendido? Eis que por causa das vossas iniquidades é que fostes vendidos, e por causa das vossas transgressões vossa mãe foi repudiada (Isaías 50.1).
Viste o que fez a pérfida Israel? Foi a todo monte alto e debaixo de toda árvore frondosa e se deu ali a toda prostituição. E, depois de ela ter feito tudo isso, eu pensei que ela voltaria para mim, mas não voltou. A sua pérfida irmã Judá viu isto. Quando, por causa de tudo isto, por ter cometido adultério, eu despedi a pérfida Israel e lhe dei carta de divórcio, vi que a falsa Judá, sua irmã, não temeu; mas ela mesma se foi e se deu à prostituição (Jeremias 3.6-8).Em 83, quando no Acampamento Boa Esperança, em Goiânia, Orlando e Helder iam à cidade para buscar a noiva de Orlando na rodoviária. Eu queria ir com eles. Talvez pela aventura, ou pela afirmação de independência, logo encontrei um motivo para acompanhá-los: Rajá, o pastor-alemão que meu irmão confiava aos meus cuidados, precisava de ração. Orlando perguntou se eu sabia o caminho do sítio à cidade. Por medo de não poder acompanhá-los, disse que conhecia bem o caminho e poderia instruí-los. Oh! moleque! Rodamos a cidade toda. Eu ainda ensinava o caminho dizendo “Vire aqui!” ou ”Na próxima rotatória à esquerda”. Confesso que não tinha nem ideia de onde estávamos e nem pra onde ir. Depois de algumas horas exaustivas, o motorista cometeu um erro, entrou na frente de outro carro causando gravíssima colisão. Orlando Junior só percebeu a coluna esmiuçada depois de me tirar dos destroços. O Helder teve alguns ferimentos mais leves. E pela culpa da mentira deliberada, eu rebelei ainda mais contra Deus.
Alguns meses depois, recebi a visita de um amigo em casa. Irritado com o menino e sentindo-me diminuído por causa de uns comentários comparativos, cometi uma maldade enorme. O menino era filho de missionários estrangeiros. Extrovertido e falador ele correu por toda a casa falando sobre tudo o que via. Comentou sobre a casa, os animais, os brinquedos. Chegando à cozinha, olhou admirado para uma cesta de frutas sobre a mesa. “Como essas frutas são bonitas! Como é que come este caju?” Aí, nefastamente, eu ensinei que precisava separar fruta e castanha e, só então, cravar os dentes com bastante força na castanha verde. E receita que mistura o pseudofruto com o fruto verdadeiro têm consequências. O menino provou na carne a queimadura do engano.
Como nas primeiras histórias, essas duas também mostram o princípio de qualquer relacionamento. Tem, em primeiro lugar, a ver com Deus, em como uma pessoa se relaciona com Deus. Às vezes inicia com um anseio de autoafirmação, uma estultícia; como um conhecimento desinformado ou um sentimento de injustiça. Outras vezes, é maldade pura e pensada. Seja por equivoco seja por enganação, buscamos o namoro não como expressão de um compromisso firmado, mas para satisfazer ou preencher certo vazio. Jacó provou o sabor de suas receitas quando se casou enganado. O rei Davi experimentou o sofrimento do luto ao se deparar com as consequências da sua dureza de coração.
A sobreexcelente noticia é que Deus não faz assim conosco. Como o Anjo do Senhor, ele “passa por cima” dos pecados do seu povo e garante seu eterno amor e relacionamento.
Daniel
Irmão, sábias são essas palavras e de uma honestidade rasgada, como lhe é de costume. Sempre olho para trás e vejo quantos namoros foram necessários para eu me satisfazer, até que me satisfiz nEle e escolhi amar alguém e com ela me casei. Costumo dizer as minhas ovelhas que não namorem antes de 18 ou mais, pois, dificilmente, o que se tem ali é uma real tentativa de se formar uma família. É "pegação" e nada mais. Não vale a pena e nos expõe.
ResponderExcluirMas é muito bom lembrar que até por cima disto Deus passa, usando a cruz como ponte.
Abraço, meu amado.