De queijos, cavalos e caminhos tortos




          Hoje, no almoço, meu pai contou uma história que cabe muito bem onde eu quero chegar. Uma vez, quando um amigo da igreja pediu que lhe fizesse uma visita, papai argumentou que não sabia onde era a sua nova casa, por isso ainda não tinha ido lá para vê-lo. Então, o Toninho desenhou no papel dois pontos e uma linha de conexão, e disse: “Olha pastor, aqui está a igreja!” – apontando para um dos pontos – “e aqui está a minha casa; é só ir, é fácil, uai!” Fácil! Oh moleque!

          Quando falamos de mudança de hábitos, ou de arrependimento, ás vezes, descrevemos esse processo dessa mesma forma. Queremos produzir mudanças nas pessoas ao nosso redor, e em nós mesmos. No entanto, apenas saber onde estão os pontos que devem ser mudados não é o suficiente para transformar o choro em riso. No final das contas, colecionamos um monte de frustrações.

          Convertido dos seus caminhos (arrependido e restaurado), Saulo de Tarso, agora Paulo, nos dá uma chave maravilhosa para ajudar as pessoas que querem mudar seus caminhos. O que pra nós, na verdade é arrependimento. “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte.” (2Coríntios 7.10)

          Como seria de esperar, o arrependimento nasce de um coração partido por um passado de iniquidade e pecado. Só que, de vez em quando, infelizmente, não sentimos remorso ou tristeza, e sequer identificamos nalgumas das nossas atitudes uma afronta a Deus. É como se apenas disséssemos: “E daí?”

          Lá na roça em que eu morava, um animal entrou no nosso terreno num dia. Perguntei ao meu ajudante quem era o proprietário do cavalo. Ele respondeu que era do Dr. Mauro, e ainda me ensinou como chegar ao sítio dele (pelo menos descreveu o caminho com mais detalhes). Chegando lá para devolver o animal e ganhar um novo amigo, chamei do portão; “Dr Mauro!” depois de um tempo batendo palmas e apertando a buzina, veio um jovem da minha idade, e disse que não havia ninguém com esse nome lá. Perguntei se o cavalo lhe pertencia, ele confirmou, corrigindo que seu nome era Mário. Devolvi o cavalo e voltei aos meus afazeres. Encontrando o Tiba, eu disse: “Fui lá devolver o alazãozinho! — Passei a maior vergonha! – o nome do cara é Mário e não Mauro!” Respondeu rindo, sem pestanejar: “Ah é? Mas pra nós aqui é Mauro mesmo, xente!” Oh moleque ao cubo!

          Como seria possível produzir nas pessoas uma contrição que as levasse a um arrependimento genuíno? Como produzir mudanças de comportamento nos outros quando, muitas vezes, podemos até identificar algo que está errado, mas não somos impactados com o desejo de transformação? A menor distancia entre dois pontos é a linha reta – mas em se tratando do pecado que machuca, o caminho fica um pouco mais complicado. A melhor maneira de causar mudança nos outros é primeiramente mudar o nosso próprio caminho.

          O salmista foi um homem que conheceu o mal e o bem. Ele disse: “Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; o mandamento do Senhor é puro e ilumina os olhos” (Salmos 19.8). Cuidado para não agir como o rapaz do causo do cavalo! É fácil pensar que a Bíblia é antiquada ou ultrapassada. Parece menos dolorido explicar as circunstâncias do erro, ou ainda culpar outras pessoas ou ocasiões. Muitos pecados foram [re]rotulados como doenças ou distúrbios (“meu cérebro me fez fazer isso”). Outros são atribuídos a qualquer coisa: para Adão, foi a mulher que Deus lhe deu, sendo que na verdade estava culpando ao próprio Deus por seu pecado. Hoje, mais evoluídos, colocamos a culpa das nossas dores na educação que recebemos dos pais, na igreja, nos irmãos. Podemos direcionar a amargura para todos os cantos, mas interiormente nossa raiva é contra Deus. Para ser transformado, é preciso primeiramente reconhecer que Deus é bom e sua palavra revelada nas Escrituras é certa.

          Bem novinho (muito cabeludo e magricela), lembro-me de um dia em que meu pai ganhou um queijo de minas. O trem era branquinho e suculento, uai. Tão bonito que me deu água na boca. Logo que as visita foi simbora, pedi um pedaço do queijo pro meu pai. Papai me explicou que aquilo se tratava de mais do que apenas um queijo. Descreveu-me todo o processo de fabricação. E quão importante era quando alguém se lembrava de um amigo e trazia de Minas Gerais um presente tão valioso. Sem perceber que papai queria apenas esperar a mamãe e meus irmãos (Davi e Deborah) para saborear o presente, perguntei tentando até fazer beicinho: Pai, quem vale mais, eu ou o queijo?

           Essa confusão é oportuna! Quanto custa um pecado? Para os antigos, cada pecado cometido era contabilizado com um animal de valor equivalente. Tinha até sacrifício para pecados desconhecidos. Quando um israelita pecava tomava o melhor animal do seu rebanho, trazia ao sacerdote que cortava lhe o pescoço para que, ao morrer, com a imposição de mãos do arrependido, seus pecados fossem expiados (ver Levítico, cap. 4).  Uma cena feia, sim? Mas para quem tem o coração segundo o coração do Senhor, a figura reafirma o que o apostolo Pedro, escreveu: "sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo" (1Pedro 1.18-19).

          Hoje, os sacrifícios que apontavam para o Messias parecem cruéis e desumanos. Mas devem nos mostrar que os pecados têm um alto preço. A mudança de comportamento acontece não pela força de vontade, mas pela compreensão da violência e da gravidade que a nossa rebeldia é contra Deus. Não há vida sem Deus.

           A rebeldia contra Deus exige sacrifícios a outros deuses. Nossa idolatria parece satisfazer-se temporariamente, mas logo precisa ser re-abastecida. Isso pode até acontecer nos nossos diversos contextos igrejeiros.  No sacrifício de Cristo, a noção de pecado, culpa e perdão, arrependimento, e outros assuntos são transformados em louvor e glória (testemunho e brilho) nas boas obras praticadas em Cristo. Quando o suor e o sangue do Senhor, estando pendurado entre o céu e a terra cai em cima dos desejos carnais, eles de repente se tornam repugnantes.

         É muito comum ouvir os testemunhos de conversão dos irmãos. Muitos desses se tornam até motivos de chacota e de risadas. No meio evangélico, é comum identificarmos rodas de piadas também conhecidas como “roda dos esclarecedores”. Embora eu já tenha participado destas, ultimamente tenho me sentido incomodado. Aquelas coisas que nos separavam de Deus parecem ser divertidas. Como se olhássemos para o passado com nostalgia. Embora, nesse mundo caído, ainda soframos as consequências do pecado, a Bíblia nos assegura que o perdão do Senhor retira o peso da culpa e remove toda vergonha.

          As lesões do pecado por muitas vezes ainda trazem dores e tristeza para muitos. Pra mim também. Mas isso, só quando faço meus sacrifícios idólatras, sem lembrar o perdão dos pecados de outrora (2Pedro 2.8).  À luz das Escrituras, vejo o meu pecado como parte da minha história pessoal. Alguns episódios são tão horríveis que a mera menção não edifica a ninguém. Não há vergonha e muito menos mérito. Eis a diferença entre mostrar o coração e mostrar as entranhas.

          Quando alguém diz uma novidade, ainda que seja novidade também para os meus filhos, eles brincam: “Você não sabia?” Assim, se o fato de eu disser que sou pecador o surpreende, respondo: Você não sabia? Somos pecadores, mas justificados. Não há mais vergonha! No livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo diz:
 Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos (Atos 17.30-31).
          O túmulo está vazio. A ressurreição de Jesus esvaziou o poder que a escravidão do pecado tinha sobre mim. Se ainda sinto coceira numa perna amputada (figurativamente) como consequência de uma ferida de guerra, tenho as ataduras e unguento da palavra de Deus que me confortam e me fazem esperar o que está por vir.

          Qual o caminho do arrependimento? É fácil: ao ouvir o galo cantar (Marcos 14.72), você poderá se entristecer (Leia 2Coríntios 7.9). Contudo, arrependido, você se alegrará porque poderia ser pior... Sem Cristo, você receberia o salário do pecado (Romanos 8). O arrependimento verdadeiro é descrito pelo salmista e deve ser guardado no coração do remido pecador.

Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar. Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe. Eis que te comprazes na verdade no íntimo e no recôndito me fazes conhecer a sabedoria. Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais alvo que a neve. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que exultem os ossos que esmagaste. Esconde o rosto dos meus pecados e apaga todas as minhas iniqüidades. Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável.  (Salmo 51.4-10)

Daniel



Comentários

  1. Caro Daniel,

    Muito obrigado pela mensagem do Senhor através deste artigo! Fiquei com vontade de comer aquele queijo também!

    Diogo Inawashiro

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