Sapos e macacos – fé cega ou faca amolada

       


          Quem tem mais ou menos a minha idade pode se lembrar do Fálcon. A versão brasileira do GI Joe, que tinha uma enorme cicatriz no abdômen... Pois é, o meu herói na vida real, tinha uma dessas. Herança de uma cirurgia para remoção de pedra da vesícula, parecia marca de facão. Numa madrugada, esse meu herói ouviu um fuzuê na rua. Viu três delinquentes ameaçarem um vizinho. Vestindo apenas um calção de banho alaranjado e chinelos, foi ajudar o amigo. Chegando lá, um dos marginais mostrou um canivete. “Isso não é uma faca...” disse, enquanto pegava um facão de cortar cana que trazia nas costas. “Isso é uma faca!” Uns 15 anos depois, vi o filme do Crocodilo Dundee, onde tinha uma cena parecida...

          Outro dia fui mostrar um dos sapos que tem lá em casa pro filho do Portela. Lucas (de cinco anos) olhou pro sapo e sem mostrar qualquer interesse disse: “Isso não é um sapo de verdade!” Ia dizer “oh moleque!”, mas num é que o menino tava certo! Aqueles bichinhos que vemos por aí, conhecidos como sapos, na verdade, são membros de uma família chamada Buffonidae, diferentes de sapos, rãs e pereças – esses grupos de animais compõem a ordem Anura, com cerca de cinco mil espécies catalogadas. O grupo buffonidae é composto por animais bem volumosos e de hábitos terrestres. Geralmente apresentam a pele mais rugosa e seca em relação às rãs e pererecas. Possuem um par de protuberâncias glandulares, atrás dos olhos, conhecidas como glândulas parotóides. Sapos e rãs são do grupo composto principalmente pelas famílias Leptodactylidae, Leiuperidae, Cycloramphidae e Ranidae, que são animais associados a ambientes úmidos ou aquáticos; têm a pele muito lisa e úmida, apresentam dedos de ponta afilada. A sua locomoção é rápida, com saltos de grande extensão. O grupo das Pererecas se caracteriza por apresentar discos adesivos nas pontas dos dedos, o que lhes confere a capacidade de se deslocar tanto na vegetação quanto em paredes. Você não sabia?

          A mesma confusão ocorre com os macacos. Na descoberta das Américas, os primeiros desbravadores chamaram os símios do novo mundo pelo mesmo nome dos macaques que já conheciam da Ásia. Primos bem distantes, porém com características parecidas. A organização das espécies também vai por aí, bastante subjetiva. A ordem dos primatas é caracterizada por animais com olhos frontais e braços, pernas e dedos altamente flexíveis. Essa estrutura corporal se desenvolveu como uma adaptação para a vida nas árvores: os primatas têm membros flexíveis e mãos fortes, para que consigam se mover de um galho para o outro. Os olhos frontais também são uma adaptação para a vida nesse ambiente: eles proporcionam uma excelente percepção de profundidade aos primatas, permitindo que calculem com precisão a distância entre as árvores. As 235 espécies de primatas modernas estão divididas em duas sub-ordens: prossímios e antropoides. Os prossímios, que são os lêmures e animais parecidos, são o grupo mais primitivo. Menos inteligentes, se parecem mais com outros grupos de mamíferos (geralmente têm bigodes e focinhos alongados, por exemplo). Os antropoides, chamados de "primatas superiores", compreendem o restante das espécies dos primatas. Os antropoides variam muito em relação ao tamanho, extensão geográfica e comportamento, mas todos possuem faces achatadas, ouvidos pequenos e cérebros relativamente grandes e complexos.

          Chamar rã de sapo, bugio de macaco e canivete de facão pode ser assunto de risada. Mas não é assim quando chamamos a tolice de inteligência, o errado de certo e a estultícia de sabedoria? Acontece nas melhores famílias. Na família da fé também.
     
          Você tem sabedoria divina ou sabedoria humana? “Mas a sabedoria que vem do céu é antes de tudo pura; Então pacíficos, atencioso, submisso, cheio de misericórdia e de bons frutos, imparciais e sinceros. Pacificadores que semeiam em paz levantem uma colheita da justiça.” (Tiago 3.17-18).

          A maioria de nós gostaria de pensar que é sábia em sua compreensão. Pode até falar bem o suficiente, fazendo com que outra pessoa entenda o que diz. Desse jeito a vida seria ótima! Infelizmente, nem sempre funciona assim. Poderá ser que nossa comunicação e entendimento sejam baseadas em coisas que pensamos ser de um jeito, mas que na verdade é de outro. A Bíblia afirma que temos de ter a sabedoria divina, mas qual é a diferença entre a sabedoria divina e a sabedoria humana?

          Sabedoria é discernimento; a capacidade de discernir ou julgar o que é verdadeiro ou certo. É a capacidade de ver as coisas de uma perspectiva diferente, que muitas vezes os outros não vêem. Quando pensamos em alguém que é sábio, nos lembramos de um acadêmico, que têm muita educação. Mas a Bíblia afirma que Deus frustrará quem se considera sábio e inteligente (aquele com sabedoria humana): "destruirei a sabedoria dos sábios; a inteligência de que frustrará o inteligente."Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o filósofo desta idade? Deus não fez tolice a sabedoria do mundo?” (1Coríntios 1.19-20).

          Por que Deus iria querer frustrar aqueles que são educados e sábios? Sabedoria humana é limitada e só pode ver e entender algumas coisas, mas a sabedoria divina transcende as limitações da mente. Trata-se de alguém superior a nós mesmos, que sabe mais, vê mais e entende mais: Deus. Os seres humanos cometem erros e podem interpretar mal, Deus, entretanto, não comete erros e, portanto, compreende todas as coisas. Porque a sabedoria humana vem de uma mente limitada, o homem pode ser egoísta e prepotente, alegando que todos os pensamentos sejam como os seus. Com a sabedoria divina, a coleção de dados e informações é aprendida, e a compreensão das coisas vem, não segundo as percepções próprias, mas segundo aquilo que foi aprendido de Deus (de sua revelação escrita). Na sabedoria humana, o homem pode até compreender algo sobre as ciências, mas em Cristo, somos capazes de entender o passado delas e as coisas invisíveis, porque Deus nos dá a sabedoria para enxergar mais claramente aquilo que vemos diante de nós.

          Alguns equívocos não geram grandes consequências. A não ser para o biólogo ou taxonomista, a confusão entre sapos e bufões, macacos e bugios não é tão desastrosa. Mas na luta cristã, a espada de muitos crentes se parece mais com uma faquinha de brinquedo cortando gelatina. Ultimamente, essa confusão tem gerado imensas frustrações para muitos cristãos. Há uma diferença entre conhecimento e sabedoria. Temos acesso a mais informações do que podemos processar. Mas ainda falta alguma coisa.

          O temor do Senhor é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino (Provérbios 1.1). Uma vez que ninguém nasce com sabedoria, temos duas opções — procurá-la ou enfrentar as consequências de viver sem ela. O mundo oferece muitas atividades que atendem aos nossos desejos — segurança, riqueza, amigos, saúde, popularidade, destaque, prestígio ou beleza. Mas todas as coisas desejáveis não se comparam à sabedoria de Deus (Provérbios 8.11). É um dom que ele dá para aqueles que o buscam diligentemente, como se fosse um tesouro escondido (Provérbios 2.4-7). Ter apenas conhecimento bíblico não nos faz sábios. Mas a obediência em todas as coisas, sim. A sabedoria de Deus é reservada para aqueles que prestam atenção às suas instruções, obedecendo ativamente e aplicando suas verdades nas suas vidas (Provérbios 8.33-34).

           A carta de Tiago diz que quem não tem sabedoria deve pedir a Deus (Tiago 1.5-6). No entanto, muitas vezes, o pedido de sabedoria na oração vem cheio de falsa humildade. Como se dissesse: “vou orar porque Deus manda orar, mas no fundo eu sei o que devo fazer...” A obediência sempre traz bênçãos, mesmo que não as enxerguemos. Porém, as consequências negativas de ignorar a Deus e seguir nossos próprios caminhos de estultícia geram morte espiritual (isso quando não a morte do corpo). O livro de Provérbios nos diz que a sabedoria vem de observar os resultados de vários estilos de vida. Por exemplo, homens sábios são prudentes e se afastam do mal, mas tolos são arrogantes e descuidados (Provérbios 14.16). Até mesmo as formigas nos ensinam a importância de trabalhar diligentemente, porque a preguiça leva à pobreza (Provérbios 6.6-11). A Bíblia nos ajuda a entender a perspectiva de Deus e nos leva a fazer escolhas sábias que produzem resultados positivos.

          Todos precisam de orientação, mas nem todos os conselhos são bons, a despeito da aparência cristã. Algumas pessoas — até mesmo conselheiros treinados segundo a sabedoria humana — podem fazer com que nos desviemos da sabedoria de Deus, em vez de nos ajudar a encontrar o seu caminho. Sempre que procuramos alguém para direção, devemos avaliar se a fonte do seu conselho é bíblica ou não.

          No direito, a expressão Fumus boni iuris (lê-se: fúmus bôni iúris), significa sinal de bom direito ou aparência de bom direito. É a suposição de que uma alegação que foi submetida a alguém, após ser submetida a análise, tem verossimilhança de direito. O juiz determina primariamente, assumindo que a alegação possui suficiente base legal. Sendo assim, há fumus boni iuris quando existe a possibilidade de que o direito pleiteado exista concretamente. Da mesma forma, muitos crentes, ao avaliar o que vêem pela frente, filtram as informações de acordo com seus diversos conhecimentos. Fazem uso de ferramentas que têm, sem aplicar a Bíblia ao direito, às psicologias, às ciências e tecnologias etc.

          A sabedoria divina começa quando reconhecemos o poder de Deus para a salvação (temor do Senhor) e aumenta à medida em que obedecemos a Palavra de Deus. Para ser sábio é preciso ter uma paixão ardente pela orientação do Senhor. Há muitas ideias, pessoas e situações que nos levam a ignorar os princípios das Escrituras, a única que pode nos levar à sabedoria. Isso tem ocorrido muito nas igrejas. A sabedoria segundo o mundo, rodeando as luzes da igreja, confunde como bufão e sapo, bugio e macaco, levando muitos ao deslize. Por exemplo, à guisa da não violência assumimos posturas covardes, não nos levantando para defender ao mais fraco. É bíblico que nos levantemos para defender aos desamparados. É nossa obrigação proteger aos inocentes. “Abre a boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham desamparados. Abre a boca, julga retamente e faze justiça aos pobres e aos necessitados” (Provérbios 31.8-9).

          Uns vinte e tantos anos atrás, quando João Marcos, bebê recém-nascido da Iara, chegou lá em casa, meu pai foi tirar um retrato dele e eu fui buscar a minha cachorrinha para pousar na foto. Não tem nada de errado em tirar foto de cachorros, mas a minha confusão de dar o mesmo valor de uma criança a um animal é comum na igreja. Tinha um cantor que falava pra trocar o cachorro por uma criança pobre, e hoje tem gente que vê o “ser humano do animal” ou o “vulto de um cachorrinho por trás de toda criança” (?!).

          A inversão de valores é sutil. E isso em diversos assuntos, tais como aborto, armas, opção sexual, educação, direito, e muitos outros. Muita coisa ensinada na Bíblia tem sido ignorada. Para transitar em diferentes ambientes com mais conforto, muitos crentes têm aderido às sabedorias desse mundo, chamando o bem de mal e o mal de bem. “E dizem: Apresse-se Deus, leve a cabo a sua obra, para que a vejamos; aproxime-se, manifeste-se o conselho do Santo de Israel, para que o conheçamos. Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridão, luz e da luz, escuridão; põem o amargo por doce e o doce, por amargo! Ai dos que são sábios aos seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito!” (Isaías 5.19-21).

          Acredito que muitas das nossas feridas hoje são resultados de decisões e atitudes que julgávamos cheias de sabedoria. Mas, se o resultado da sua messe tem sido abrolhos, vale a pena rever os passos e humildemente se entregar ao senhor, em obediência e confiança. Os heróis da fé não são avaliados por desempenho e resultado. Muitos obtiveram grandes vitórias. E muitos sofreram enormes prejuízos (Hebreus 11.36-40). A sabedoria humana é primariamente pragmática, mas os olhos da fé confiam na palavra de ordem do realmente Sábio. Não é o que dá certo que vale, mas o que é certo.


Daniel

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