O que não mata engorda?










          Márcia, Davizinho e eu mudamos de Brasília para São Paulo quando assumi uma posição junto a Young Life Mission. Nos primeiros 22 dias, viajei sem a família para um curso preparativo da entidade missionária. Nos  EEUU, como parte do treinamento inicial, experimentei diversos exportes radicais, incluindo rapel, bungee-jump, e paraquedismo. Eu e alguns dos missionários também escalamos rochas e fizemos curso de arborismo em altas cordas. Pensei na época que fui levado aos meus limites. E a piada ao longo de todo o treinamento, sempre que estávamos prestes a fazer algo que parecia perigoso ou impossível, era: "o que não te mata te faz mais forte" (That which doesn´t kill you, will make you stronger). – Esse ditado deve ter sido traduzido como o nosso “O que não mata, engorda”.

          Foi uma boa piada para a semana radical, mas um pouco depois dessa viagem, comecei realmente a abraçar essa maneira de pensar. Jovens são muitas vezes cheios de mudança, e o ditado parecia uma perspectiva boa de vida, porque significava que tudo era uma oportunidade de crescimento. Sempre que enfrentei algo difícil ou desafiador, apenas enrijecia ombros e dizia, "o que não me mata, engorda".

          Pouco mais de dois anos depois de desligar-me daquela missão, assumi a a capelania policial do estado. E de repente as coisas ficaram um pouco mais difíceis e reais. Passei muito tempo com pessoas que tinham visto a morte de perto. Policiais que, no cumprimento do dever, já haviam até participado de situações onde ocorreram óbitos. Amigos e inimigos da lei que se encontraram em combates perigosíssimos. E de repente, "o que não te mata engorda", soava menos inteligente e mais inconveniente. Estas pessoas ainda estavam vivas, mas, parecia que por dentro, estavam fracos ou até mesmo mortos. Na verdade, exatamente o oposto do ditado. Este foi o desafio de construir  uma parede de pedra para o caráter. Isso era algo muito mais devastador e muito menos deliberado.

          Numa primeira  leitura de Romanos 5.1-3, parecemos ouvir o ditado novamente. Paulo nos dá esse tipo de reação em cadeia, nos dizendo que o sofrimento leva à perseverança e a perseverança ao caráter e o caráter à esperança. Ao ler esta passagem, na verdade, nos enganamos se pensarmos apenas "o que não mata te faz mais forte (engorda)". Apenas sobreviver a algo duro, será melhor para alguém. Mas o significado é muito mais profundo do que isso. Paulo está escrevendo à igreja em Roma, onde ele nunca esteve antes, e está dizendo a esta comunidade sobre si mesmo. Fala a um grupo dividido. Alguns membros da igreja vinham da comunidade judaica e acreditavam que a lei que conheciam deveria ser acolhida mesmo no cristianismo. E os outros, gentios, não entendiam o por quê. A igreja estava dividida em dois pensamentos, o que significa que era suscetível a falsos ensinos. E então Paulo escreve esta carta aos romanos para falar da graça, de como nós não somos salvos pelo que podemos fazer, mas em vez disso, por aquilo que Deus faz por nós. Ele escreve nesta parte específica sobre a esperança.

          Agora, a esperança é algo que você não pode comprar nem vender. Os publicitários sabem disso, e mesmo assim tentam nos vender promessas de uma réstia de esperança de um novo remédio ou um novo detergente de louças ou um candidato político.

          Paulo está falando sobre algo mais profundo. O tipo de esperança que você não pode comprar. Esperança autêntica, que vem de Deus. Nós temos esta breve passagem sobre a esperança, que se colocada fora do contexto é enganosa. Ela parece prometer que o sofrimento vai ser mais fácil. E em algum nível, em última análise, isso pode até ser verdade. Mas temos de ter cuidado para não reduzi-la a "o que não te mata engorda". E temos de ter a certeza de que não estamos dizendo que a vontade de Deus quanto ao nosso sofrimento visa somente ensinar lições ou tornar-nos pessoas melhores ou punir-nos por nossos delitos. Antes, a vontade de Deus é que sua graça seja manifestada em nós.

          Após cada desastre, naturais ou produzidos pelo homem, há sempre algumas vozes que surgem na mídia dizendo que “Deus fez isso” e “isso aconteceu por uma razão”. Geralmente dizem que é porque Deus quer nos ensinar algo. Isso sempre me incomodou.

          Um pastor de meu antigo presbitério pregava no domingo, depois de seu amado filho morrer em um acidente de moto. Ele contou a história dos primeiros dias após o acidente e de como uma mulher que ele não conhecia muito bem, ao trazer uma de suas refeições, suspirou e disse: "Eu só não entendo a vontade de Deus".

          Irritado pelo sofrimento, ele se levantou e disse, "Acho que não". E continuou a dizer que Deus não saia por aí causando acidentes e desastres, só porque é Deus. Deus não sai por aí com uma mão no gatilho, à espera de causar tristeza e dor. E finalmente disse que quando a moto do seu filho caiu da ponte, "o coração de Deus foi o primeiro a quebrar".

          É bom lembrar que Deus controla todas as coisas, em seus mínimos detalhes. Clima, maldade e doença, tudo incluso. Acontece que Deus não faz furacões e tsunamis com o mero motivo de causar estrago. Deus não dá câncer aos filhos das pessoas nem lhes tira a vida para vê-las sofrer. Deus não nos faz matar uns aos outros por entretenimento próprio, e nem tenta nos dar lições de moral.
Doenças e acidentes acontecem, guerras são travadas para que entendamos a maneira graciosa como o Senhor Jesus se entregou ao Pai, em sacrificio por nós, sendo ele o primeiro a sofrer as nossas lágrimas, sendo o Deus que chora. “Por que dele por ele e pra ele são todas as coisas”.

          Nesta fase da vida de Paulo, ele sofreu poderosamente. Tinha perdido tudo, foi preso e derrotado. E ainda, encontrou a esperança. Não através do seu sofrimento, mas através do conhecimento de Deus. Ele tinha sofrido e foi capaz de falar sobre como o sofrimento tinha transformado seu caráter e lhe dado a esperança. Ele não estava sofrendo por causa do sofrimento. Em vez disso, o sofrimento era o lugar onde a graça de Deus se tornou mais real para ele. A força não veio de dor, mas da experiência de encontrar esperança na dor.

          Acredito que tudo que acontece na face da terra é a vontade de Deus. Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus. Muitas pessoas que eu admiro não tiveram vida fácil. São pessoas que têm enfrentado adversidades e vem sendo transformadas pela graça. São pessoas que superam lesões, vício, ódio, medo e dor. Indivíduos que passam pelas coisas mais difíceis na vida, que tendo o caráter constantemente testado, na maioria das vezes, são aprovados, porque na sua fraqueza são extremamente fortes no Senhor.

          O que não mata pode engordar e prejudicar a saúde pelo excesso liposo. Mas, exercitando e perseverando no Senhor, o que não nos mata, nos fortalece. A graça de Deus diante de nossas lutas é o que, no final, nos faz mais fortes. E através dessa graça, quando enfrentarmos o mais difícil, o mais dolorido, devemos saber que a perseverança nos dá caráter, e o caráter nos dá esperança. Esperança do agora e do depois.


Daniel

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