Quando digo digo




          Eu tenho um amigo que é um porco! Peraí, deixa eu explicar! Não me leve a mal, ele não é palmeirense e nem tem hábitos estranhos... Seu sobrenome, de origem samurai, literalmente significa porco do mato ou javali. Ele e sua esposa vêm rapidamente e carinhosamente conquistando lugar especial no meu coração e da minha família. Ontem à noite, senti sua aflição quando ele me explicava sobre a maneira como, na terra do Sol nascente, se alguém diz algo, sua palavra tem valor de promessa; e quando algo é dito, não pode ser mudado. Não há espaço para mudança de planos, não há desculpas, não há explicações. Palavra empenhada tem de ser cumprida, sob pena de total descrédito e vergonha.

          Numa tarde de calor, lá em Campinas, um colega se ajuntava ao grupinho no saguão da escola. Ele tinha acabado de passar pela sorveteria da esquina e trazia na mão uma enorme “casquinha”. Ao chegar, ele educadamente disse a todos: “Servidos?” Um dos gringos na rodinha, apreciou o gesto. Rápido e rasteiro aceitou o sorvete. Com a mesma educação do colega, agradeceu, esticou a mão e tomou o cone do gordinho educado... Oh moleque! É muita ingenuidade, não é? Quando alguém diz: “Aparece lá em casa!”, só diz isso por educação, não é pra ir lá. Quando alguém oferece que deem uma lambida no picolé, só faz isso por força dos modos e costumes. É só pra dizer um simples “não brigado!” e pronto.

          O nosso “jeitinho brasileiro” às vezes é mais pernicioso do que engraçado. Estamos acostumados a prometer as coisas e depois, na hora de cumpri-las, há sempre uma explicação ou desculpa. É sempre algo que parece “ter fugido ao nosso controle...” Depois de conversar com meu amigo japonês, estou mais convencido de que se algo fugiu ao nosso controle, talvez então não devesse ter sido prometido, como se em princípio, tivéssemos o controle de qualquer coisa.
Quem, SENHOR, habitará no teu Tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte? O que vive com integridade, e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade; o que não difama com sua língua, não faz mal ao próximo, nem lança injúria contra o seu vizinho; o que, a seus olhos, tem por desprezível ao réprobo, mas honra aos que temem ao SENHOR; o que jura com dano próprio e não se retrata; o que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o inocente. Quem deste modo procede não será jamais abalado. Salmos 15
          Além da Bíblia falar sobre o homem que jura com dano próprio, proíbe dar falso testemunho nos mandamentos – isto é, dizer inverdades. Tanto sobre algo que aconteceu (ou não) quanto sobre algo que virá a acontecer (ou não). Fala de promessas e fala sobre a verdade. Fala que Deus é a verdade. Nós porém, por mais que tentemos ser totalmente e completamente verdadeiros, sofremos a queda e ,às vezes, a nossa palavra empenhada é frustrada. Visando valores de caráter, ou culturais, tem gente que quer ser “autojustificável” (oh moleque!). Somos todos caídos, mas quando redimidos pela graça de Deus e desejosos de obedecer ao Senhor, o peso da nossa palavra deve ter o lastro do sangue do cordeiro. Se prometer, cumpra. E se disser que vai acontecer, lembre-se de que só pode acontecer se Deus quiser (Tiago 4.14-15).

          Não há plano de contingência na vontade de Deus. Seus planos não são frustrados nem sabotados (na esperança da vida eterna que o Deus que não pode mentir prometeu antes dos tempos eternos - Tito 1.2). O curso da história não é como se a sorte fosse lançada. Deus escreve todos os mínimos detalhes sem erro e sem rasura. O que acontece é que nós queremos nos desculpar das coisas que contrariam a nossa vontade, sem confiar no amor de quem escreve certo por linhas certas.

          Um escrivão era cuidadoso e uma vez, ao perceber que precisava de correção, visando esgotar qualquer espaço para erro, e sem poder rasurar o documento, explicou em nota assim: “Quando digo que digo Diogo, não digo Diogo, mas digo digo. Quando digo que digo digo, não digo digo mas digo Diogo” (oh moleque!)

          Nossas explicações e desculpas são confusas também. Meu coração se aflige junto com o do meu amigo, pois compreendo o seu contexto e situação. Ele recentemente vem experimentando diversas mudanças de planos e estratégias que parecem tumultuar seu ministério pastoral. Através de acertos e erros, muitos dos projetos que temos são mudados e moldados conforme a vontade de Deus.

           O unguento que eu, ele e muitas outras pessoas precisamos quando algo não aconteceu conforme os próprios planos é a confiança, não somente no poder soberano de quem não comete erros e cuja palavra é a verdade, mas também no amor daquele que se entregou em sacrifício no nosso lugar. Cabe a nós então, quando algo parece não ter dado certo, fazer a coisa honrável (como a dos samurais - só que não) que é se entregar da mesma maneira que Jesus se entregou.

           O autor da história não comete erros. O escrivão supremo não cometeu rasuras ao lavrar o documento (as Sagradas Escrituras). As ataduras necessárias para o quebrantamento da alma é a certeza de que, por mais complicado que seja a situação, o coração do homem pode fazer planos, mas a resposta (resultado) certa vem de Deus.

          Então, quando eu digo digo, digo ao Diogo, que estou bem certo, que nem a morte nem a vida, nem anjos ou principados, nem as coisas do presente e nem do porvir, nem poderes e nem altura ou profundidade, e nem qualquer outra criatura, poderá nos separar do amor de Deus que está em Jesus Cristo nosso Senhor.


Daniel

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