Se rir apanha!




          Num ônibus em Brasília, Davi contou que havia um passageiro obviamente não recuperado dum tremendo porre. Aos bruscos movimentos da condução, entre paradas e arrancadas, o homem balançava etilicamente. Por piedade ou educação os demais passageiros tentavam desviar os olhos e disfarçar o riso. Numa das curvas do plano piloto (segura véio! – mensagem hermética pro Nenão), o bêbado foi pro chão e ainda deu umas cambalhotas. Somente ao som do motor, sem que ninguém dissesse nada, o cara falou bem alto e bravo: “E se alguém rir vai apanhar!” Aí que não deu pra segurar. Não tem ninguém com tanta piedade assim. Foram muitas as gargalhadas. Oh moleque!

          O que fazer, porém, quando somos nós que estamos cambaleando e caindo. Quando passamos por tempos difíceis, parece que todo mundo tem algo a dizer. O pessoal tenta nos animar com ditados populares e clichês já bem desgastados e sem sentido. Nunca gostei dessas frases pré-fabricadas. Aliás, minto. Marta e eu ríamos muito quando ela me falava das frases do meu tio Ari: “Lá atrás daquele morro, passa boi, passa boiada – ás vezes passa um cachorrinho.” Ou então: “Mais vale duas abelhas voando do que uma na mão...” Eu sempre tive um problema com frases clichê — do tipo que não significam nada para a pessoa que as diz e realmente não ajuda a pessoa que ouve. Coisas bobas, como "Cabeça erguida" e "Vai ficar melhor..." O clássico: “Tudo na vida é passageiro...” (exceto o piloto e os atendentes de bordo ou o motorista e o cobrador!). Talvez fosse melhor dar uma boa risada. Ofenderia menos! Quando chega a dor profunda, precisamos de uma rocha sólida e verdadeira para nos sustentar.

          Como saber expressar um clamor por socorro ou uma palavra de ajuda? É mais confortável tentar descobrir um culpado pela dor. Aí então, podemos nos dirigir ao responsável e a qualquer outra pessoa ao redor: “Quem rir, apanha!” Há quem ria da desgraça alheia. Mas a maioria das pessoas, movidas pela compaixão, dariam esmolas a um necessitado por dó ou piedade, tentando achar a razão do sofrimento, talvez até pensando: "pobre coitado, deve ter sido um grande pecador." Os discípulos, embora já tivessem ouvido muitas parábolas de Jesus sobre misericórdia, mostravam um pouquinho desse raciocínio: “os infortúnios são o dedo de Deus punindo o pecador”.  Ou, talvez a razão fosse os pecados dos pais? Quantas vezes, quando coisas ruins acontecem, perguntamo-nos se Deus realmente nos ama, murmurando contra Deus: "ele não se importa como que acontece comigo." A resposta de Jesus para esta falta de fé é tão acentuada como consoladora: "nem este homem nem seus pais pecaram; ele nasceu cego para que obras de Deus fossem reveladas nele."

          A fé pode crescer na adversidade! A vida simples de um mendigo que antes era cego tornou-se bastante complicada, verdade! Em vez de ser recebido pelos amigos e família para comemorar o milagre, ele encontrou mais adversidades ainda. A adversidade é intensa; a hostilidade dos fariseus é palpável. Ainda assim, o homem continua firme em sua crença em Jesus. A adesão do homem a Jesus cresce mais a cada ataque contra sua credibilidade, e até mesmo quanto a seus pais, que queriam manter uma distância segura dele. Isto é visto na forma como ele se refere a Jesus. "O homem Jesus..."; "Ele é um profeta..."; "Eu acredito senhor". De "homem" para "Profeta", ao "Senhor": é a obra de Deus brilhando através deste apóstolo improvável! Vejamos as situações da vida que desafiam a nossa fé. Como este homem, poderíamos virar o jogo e torná-las uma oportunidade de crescimento da fé? Como ele, poderíamos ser melhores testemunhas de Jesus? (João 9.1-3)

          Ele adorou a Jesus. A fé não só cresce na adversidade, mas às vezes dá um salto gigante. Em nenhum outro lugar no novo testamento, antes da Ressurreição, encontramos Jesus sendo "adorado". O ex-cego, agora é dotado com deslumbrante luz: Jesus é o Senhor, Jesus é Deus! Esse presente é tão grande, tão incrível, que minimiza a dor do sofrimento passado. De acordo com a cultura judaica da época, o homem seria expulso da sinagoga; era o equivalente moral de uma sentença de morte; corte do povo, ele era uma não pessoa. Conversão é mudança de caminhos. Habilita o arrependido a enxergar com os olhos do Senhor. A espantosa realização de quem Jesus é, paga mais do que qualquer sacrifício ou esmola.

          Uma pessoa pode usar de otimismo para sobreviver a pancadas até se quebrar, quando finalmente a realidade vem sufoca-lo. Paulo nos diz, "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus e são chamados segundo o seu propósito." Este versículo é algumas vezes mal interpretado, mas é uma das mais belas promessas em toda a escritura. Isto não significa que os cristãos são invencíveis. Todos nós vamos enfrentar provações, mas finalmente não podemos ser derrotados por elas. Até mesmo nossos piores inimigos, como o sofrimento e a morte, tornam-se nossos amigos em Cristo, porque, em última análise, eles trabalham em nosso favor.

          É bem possível que passemos por coisas difíceis, que só nos enfraquecem e conduzem à morte. Eu posso imaginar alguém fazendo a pergunta, "Como pode algo tão terrível me fazer mais forte?" (Leram o meu texto “O que não mata engorda”?) As pessoas mais positivas podem sucumbir à brutalidade de nosso mundo caído.

          Quando sinto que tudo na minha vida está indo bem, meu coração imediatamente retrocede a uma autodependência. Demonstrando insegurança e fraqueza. Eu posso não ver, mas quem está perto de mim percebe algo errado. Nunca falha. Eu começo a orar menos porque acho que inconscientemente não me falta nada. Torno-me orgulhoso porque acho que sou a razão de tudo estar indo bem. Nessa hora, esqueço que Deus é o doador de tudo, e que eu ainda preciso dele para me sustentar. Estou assumindo que tenho o direito de tudo, de todas as suas misericórdias. Esse pseudo-orgulho serve para esconder o sentimento de fraqueza e inferioridade.

          2Coríntios 12 é um conforto para mim, em momentos de fraqueza. Paulo reconhece que Deus deu a ele uma sentença para "não se ensoberbar". E ele diz ter alegria em sua fraqueza, e estar contente com todos os tipos de provações. Como Paulo poderia ter alegria nas provações? As lutas da vida o lembravam de sua necessidade da graça de Deus e do poder de Deus. Autonomia é fraqueza, mas a dependência em Cristo é força. Então Paulo diz, "Quando estou fraco, então sou forte". Nossos corações são enfraquecidos pelo pecado, e muitas vezes encontramo-nos desejando mais do que este mundo tem para oferecer. Mas quando as alegrias temporárias deste mundo são tiradas de nós, lembramos que a terra não é nossa casa. Nossa cidadania está em outro lugar. Nossa humildade é mais importante do que a nossa felicidade. E se alguém cair perto de você, não ria!



Daniel


Comentários

Postagens mais visitadas