Historias de pescadores e peixe grande



          Quando ocorreu o primeiro Rock in Rio, fiquei impressionado com a “espiritualidade” dos jovens da nossa igreja, jejuando para ver se impediam o evento de acontecer. Na mesma época, passei uns dias na casa dos tios Lilian e Álvaro, em São José do Rio Preto. Um tempo realmente marcante, não só pela brincadeira com meus primos – construção de navio no quintal, mega computador de caixas de papelão e papel alumínio – mas também pelo corte de cabelo sensacional por um barbeiro que já tinha “feito” até o cabelo de um cantor da Blitz. Levava o brinquedo de espoleta que ganhei de aniversário da tia Isa, dinheiro pra eventualidades guardado na carteira novinha que meu pai me deu. Só não leveva minha bicicleta porque já estava pequena demais pra mim. A que eu usava era da minha irmã, e eu ansiava por uma. Não era a primeira viagem sem meus pais, mas a primeira em que me senti independente. Como eu gostava de dar boa impressão! Percebi cedo que falar de “coisas espirituais” causava efeito enorme na maneira como eu via as pessoas “me vendo”. Tinha escutado, em uma dessas conversas de gente grande, um trecho da Bíblia: “Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração.” (Salmos 37.4). Sem atentar para o contexto do salmo, resolvi que daí em diante iria “agradar” a Deus para que os desejos do meu coração fossem satisfeitos. No momento, uma bicicleta. Fiz o que os jovens espirituais faziam, iniciei um jejum pra ver se Deus me atendia. Parece até a história de Jonas.
“Veio a palavra do SENHOR a Jonas, filho de Amitai, dizendo: Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim. Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do SENHOR, para Társis; e, tendo descido a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem e embarcou nele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do SENHOR.” (Jonas 1.1-3)
          É revelador que, ainda hoje, o livro do profeta Jonas seja lido em dias de festa do Yom Kippur (Dia da Expiação judaico). Há nele um componente da graça e da providência de Deus que deve ser bem entendido. Jonas quis adiantar-se à decisão de Deus, quis redimir a si mesmo. Para ele, certamente Deus não destruiria Nínive, pois, na sua educação hebraica, havia escutado sobre a bondade e a misericórdia de Deus. O povo da cidade acabou se arrependendo, e Deus cumpriu sua palavra de misericórdia. Na verdade, Jonas tinha confundido a satisfação de seus desjos com a vontade de Deus. Nem esperava o que viria. Acabou descobrindo que, quando estamos dispostos a mudar a nossa vontade (arrependimento), Deus transforma o desejo do coração e nos faz regozijar. De fato, Jonas, não estava só fugindo de Deus, mas agindo “espiritualmente” como se fosse Deus. Sabia corretamente que, se o povo se arrependesse, Deus agiria com bondade. Daí a decisão: Não vou!
“... Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal.” (Jonas 4.2)
          Muitas vezes, na infância e até mesmo hoje, fiz como Jonas. A gente sabe como Deus faz, mas não concorda com a maneira dele atuar. Eu, assim como Jonas, precisava pensar sobre isso. Foi na barriga do grande peixe que ele parou para refletir e orar. Afinal, nada mais havia que fazer ali... E assim foi que Deus agiu para trazer o coração do seu profeta ao verdadeiro agrado do Senhor. Jonas não queria fazer a vontade de Deus, mas o fez, e Deus o poupou! Para Jonas, uma boa decisão seria destruir a cidade de Nínive com fúria. Mas, para Deus, a misericórdia sobrepuja a ira do homem e faz valer a justiça do seu amor. Deus usou de misericórdia para com Nínive – e para com Jonas. Isso porque aquele que está no comando é benigno!

          Uma segunda história está também relacionada com mares, barcos, tempestades, açoites e tribulações. O apóstolo Paulo, contrário de Jonas, desejava levar o evangelho às mais variadas cidades e culturas de seu tempo. Maltratado pelos judeus, preso pelos romanos, Paulo teve de enfrentar enormes tribulações a fim de levar o evangelho. Mas, foi no meio de tantas aflições que ele nos deixou as cartas escritas pelo Espírtio Santo.
“Depois de muito tempo, tendo-se tornado a navegação perigosa, e já passado o tempo do Dia do Jejum, admoestava-os Paulo, dizendo-lhes: Senhores, vejo que a viagem vai ser trabalhosa, com dano e muito prejuízo, não só da carga e do navio, mas também da nossa vida. Mas o centurião dava mais crédito ao piloto e ao mestre do navio do que ao que Paulo dizia.” (Atos 27.9-11)
          As autoridades romanas e suas cortes, incluindo alguns judeus, desejavam manter o controle, mas, no fim das contas, quem está mesmo no comando é Deus! Levado de uma prisão a outra, Paulo viu Deus usar cada ocorrência e circunstância, cada judeu, cada carcereiro e cada centurião romano, a seu mando, para que o seu profeta pregasse a sua palavra até os confins da terra, para cumprir a sua bondade!

          Paulo, no cárcere, tal como Jonas na barriga do peixe, nada tinha a fazer senão, obedientemente, orar, escrever e conversar coisas realmente espirituais com quem sucedesse aparecer. Diferente de Jonas, Paulo queria pregar a palavra, porém, os judeus e os romanos tentavam impedir que ele fizesse a vontade de Deus. Mas ela foi feita! Foi assim porque é DEUS QUEM ESTÁ NO CONTROLE! Paulo sofreu, mas não estava tomado de ira injusta. Estava sob o controle de Deus! Muitos homens desejam castigos para os pecados dos outros, Deus deseja que os homens se arrependam. Foi o que aconteceu com o carcereiro e sua família em Atos 16:
“Por volta da meia-noite, Paulo e Silas oravam e cantavam louvores a Deus, e os demais companheiros de prisão escutavam. De repente, sobreveio tamanho terremoto, que sacudiu os alicerces da prisão; abriram-se todas as portas, e soltaram-se as cadeias de todos. O carcereiro despertou do sono e, vendo abertas as portas do cárcere, puxando da espada, ia suicidar-se, supondo que os presos tivessem fugido. Mas Paulo bradou em alta voz: Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos! Então, o carcereiro, tendo pedido uma luz, entrou precipitadamente e, trêmulo, prostrou-se diante de Paulo e Silas. Depois, trazendo-os para fora, disse: Senhores, que devo fazer para que seja salvo? Responderam-lhe: Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa.” (Atos 16.25-31)
          Na primeira história, Jonas estava livre para ir ao povo e anunciar a Palavra do Senhor. Na segunda história, pessoas buscavam Paulo nas prisões a fim de conhecer o Caminho. Ambos acabaram fazendo a vontade de Deus, sob o controle de Deus!
          
          Dizem que Deus “castiga”, como fez com Jonas no navio e na barriga do grande peixe, mas, de fato, Deus trabalha no coração daqueles a quem ama e manda-os amar e trabalhar no coração das pessoas. Paulo, preso e humilhado, viu soçobrar até mesmo o barco de prisioneiros em que estava. Deus é mau? É carrasco, intolerante? Não. As tempestades da vida foram rigidamente experimentadas por Jonas, o questionador. Elas também acompanharam as viagens do apóstolo Paulo, o determinado. Ambos sobreviveram e ambos foram salvos pela bondade de Deus. Ambos foram transformados pela graça do Redentor.
“Não te indignes por causa dos malfeitores, nem tenhas inveja dos que praticam a iniqüidade. Pois eles dentro em breve definharão como a relva e murcharão como a erva verde. Confia no SENHOR e faze o bem; habita na terra e alimenta-te da verdade. Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração. Entrega o teu caminho ao SENHOR, confia nele, e o mais ele fará. Fará sobressair a tua justiça como a luz e o teu direito, como o sol ao meio-dia. Descansa no SENHOR e espera nele, não te irrites por causa do homem que prospera em seu caminho, por causa do que leva a cabo os seus maus desígnios. Deixa a ira, abandona o furor; não te impacientes; certamente, isso acabará mal. Porque os malfeitores serão exterminados, mas os que esperam no SENHOR possuirão a terra. Mais um pouco de tempo, e já não existirá o ímpio; procurarás o seu lugar e não o acharás. Mas os mansos herdarão a terra e se deleitarão na abundância de paz.” (Salmos 37.1-11)
          Agradar-se do Senhor é receber pela fé o que pela sua graça nos é dispensado. Moldar o coração segundo o que é reto. No mar agitado, na barriga de um peixe, no navio ou numa prisão, sem bicicleta, sem dinheiro, o Senhor tem suas razões para falar com “seus” filhos. Deus não é mau. Ele é bom! É Deus de provas estratégicas e Deus de bênçãos. Fazer jejum, fugir, lamentar, esconder-se, não são atitudes que agradam o Senhor. O que agrada ao Senhor é conhecer e viver a sua vontade graciosa. Jonas precisava conhecer a obediência, e, Paulo, a descansar, deixar a ira, abandonar o furor. Seja lá quem somos neste contexto, Jonas, Paulo, judeus ou romanos, crianças com aparente espiritualidade ou profetas calados pelas circunstâncias, Deus manifesta a sua vontade em nós, e através de nós, quando aprendemos o deleite em sua bondade e misericórdia, e o poder que ele opera em nós.

Daniel

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