Mercadoria estragada?
Algumas lojas têm promoções especiais para produtos avariados. Rótulos riscados, latas amassadas e embalagens danificadas diminuem o valor do produto. Porque estes itens são considerados “estragados”, a maioria das pessoas não aceita pagar o mesmo preço daqueles que têm a embalagem intacta. Alguns comerciantes devolvem a mercadoria para o distribuidor, ou até jogam fora. Na historia de Ana, ela sofria por sentir-se como se fosse um produto com defeito de fábrica. Foi assim:
"Elcana tinha duas mulheres: uma se chamava Ana, e a outra, Penina; Penina tinha filhos; Ana, porém, não os tinha. Este homem subia da sua cidade de ano em ano a adorar e a sacrificar ao SENHOR dos Exércitos, em Siló. Estavam ali os dois filhos de Eli, Hofni e Finéias, como sacerdotes do SENHOR. No dia em que Elcana oferecia o seu sacrifício, dava ele porções deste a Penina, sua mulher, e a todos os seus filhos e filhas. A Ana, porém, dava porção dupla, porque ele a amava, ainda mesmo que o SENHOR a houvesse deixado estéril. (A sua rival a provocava excessivamente para a irritar, porquanto o SENHOR lhe havia cerrado a madre.) E assim o fazia ele de ano em ano; e, todas as vezes que Ana subia à Casa do SENHOR, a outra a irritava; pelo que chorava e não comia. Então, Elcana, seu marido, lhe disse: Ana, por que choras? E por que não comes? E por que estás de coração triste? Não te sou eu melhor do que dez filhos? Após terem comido e bebido em Siló, estando Eli, o sacerdote, assentado numa cadeira, junto a um pilar do templo do SENHOR, levantou-se Ana, e, com amargura de alma, orou ao SENHOR, e chorou abundantemente. E fez um voto, dizendo: SENHOR dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e lhe deres um filho varão, ao SENHOR o darei por todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha. Demorando-se ela no orar perante o SENHOR, passou Eli a observar-lhe o movimento dos lábios, porquanto Ana só no coração falava; seus lábios se moviam, porém não se lhe ouvia voz nenhuma; por isso, Eli a teve por embriagada e lhe disse: Até quando estarás tu embriagada? Aparta de ti esse vinho! Porém Ana respondeu: Não, senhor meu! Eu sou mulher atribulada de espírito; não bebi nem vinho nem bebida forte; porém venho derramando a minha alma perante o SENHOR. Não tenhas, pois, a tua serva por filha de Belial; porque pelo excesso da minha ansiedade e da minha aflição é que tenho falado até agora. Então, lhe respondeu Eli: Vai-te em paz, e o Deus de Israel te conceda a petição que lhe fizeste." (1Samuel 1.1-17)
Ana tinha um defeito percebido. Era mulher estéril numa sociedade que exigia das mulheres a capacidade de ter filhos. Fertilidade era sinal de aprovação de Deus. A lei instituída no deserto até previa o caso de devolver uma mulher a seu pai se a mesma não pudesse conceber. Ana se sentia inútil, incompleta, abandonada, se via como mercadoria estragada. Elcana, seu marido, tinha preferência por ela sobre a outra esposa. Ele tentava preencher a sua tristeza com carinho e afeto, mas isso não era suficiente para sanar a dor que ela sentia. Ana sofria amargamente com as críticas, não só de quem não a conhecia, mas também de dentro da sua casa.
É comum sentir-se sem brilho, desencorajado e entristecido. Ao ouvir algo maldoso a nosso respeito, somos emocionalmente e espiritualmente devastados. Sem ouvir a voz de Deus, nunca poderemos preservar intacto o conteúdo de um coração obediente no meio de tantas pancadas que destroem o nosso invólucro. Na busca de autorrealização, nos entregamos às concupiscências do pecado, danificando mais não só a embalagem, ainda pior: o coração.
Meus dois melhores amigos uma vez construíram um teleférico. Um cabo de aço com 50 metros de comprimento entre duas arvores, de um lado 12 metros de altura, do outro três. A linha parecia ter a afinação de uma corda musical, porque esticaram-na com o auxílio de carretilhas. Uma cadeirinha e um cinto de segurança para as criancinhas, mas para o primogênito, apenas um lugar para segurar. “Confia no papai! – Vem, Pula!” Davi foi e pulou. Foi muito rápido, o cabo estava tão esticado, e sem “barriga” (termo usado para aquela folga), que no final do percurso, ele não conseguiu segurar e caiu com as costas dobradas e o braço debaixo do corpo – quebrou o braço. No chão, não sentia seu corpo. Dado a altura da queda, deveria ter sido muito pior. Hospital, raios-X, gesso e juízo. Oh receita boa! Os danos não eram permanentes, mas as fraturas eram tão grandes, apenas a musculatura impedia a perfuração e exposição do osso, que o médico resolveu colocar na posição certa sem o uso de anestesias. A dor de recolocar os estilhaços no lugar era imensa, porém fazia parte do processo de cura. As ataduras seriam retiradas sem causar deformidades no braço do meu irmão.
É assim também com o pecado. Não só quando pecamos e nos arrependemos, mas também no pecado de outros, quando nos atinge. Um pulo pode causar muitos malefícios. Mas ninguém é mercadoria estragada. A operação de Deus, desde antes daquilo que chamamos de acidentes, visa o brilho do amor dele em redimir aquilo que foi totalmente destruído. Este é o milagre da salvação. O pecado, uma vez perdoado, não tem efeito de desvalorização para Deus.
Quando Ana pediu a Deus que se lembrasse dela, foi sincera e diligente. Deus colocou algo dentro dela que jamais sentira antes. Ele preencheu todas as rachaduras de sua vida danificada, de dentro pra fora. Deus fez um milagre chamado Samuel. O nome Samuel significa: “Pedido de Deus” ou “nome de Deus”. Grata a Deus, Ana devolveu Samuel para o serviço do senhor. A Bíblia diz "Samuel cresceu", o nome de Deus cresceu. Aquilo que era defeituoso fez com que o nome de Deus fosse engrandecido.
Às vezes questionamos e pensamos sobre os motivos de Deus ou do diabo estar sempre lutando conosco. Porque as pessoas estão sempre falando mal de nós? Na mente, sentimo-nos inúteis. Como podemos descobrir nossa utilidade sem perceber que Deus molda cada vida através dos defeitos e eventos que muitas vezes doem? Dor não machuca, antes, nos mostra onde precisamos cuidar. O pecado é o que machuca e o remédio errado pode matar. A culpa nos faz paralisar e nos torna inúteis para as boas obras em Cristo. Porém, se fomos criados para essas boas obras, e experimentamos o perdão dos pecados, já não temos mais o direito de sentir culpa. Jesus tomou para si o peso e o preço do pecado. O que antes era estragado foi feito novo. Foi transformado em receptáculo de honra.
Ana se quebrantava diante de Deus, e Eli a teve por bêbada. Os apóstolos foram preenchidos com o Espírito Santo, e foram tidos por bêbados (Atos 2.13,14). As aparências enganam. O caráter de quem anda com Cristo deve ser visto no dia a dia, mas muitas vezes não é. A aparência externa pode estragar o efeito do conteúdo por não refletir com precisão a personagem interior.
No trânsito, observando um ciclista, duas doutoras conversavam dentro de um carro. Uma delas, já aposentada e a outra, adolescente, ainda a alguns anos de seu grau. “Aquele homem na bicicleta é um alcoólatra.” – Disse a voz da experiência. “A senhora o conhece?” A Debby (então colegial, hoje Dra. Deborah Deaton) perguntou pra Vó, que explicando respondeu: “Não. Mas não tem idade pra ficar andando de bicicleta por ai... Está vestindo terno e gravata, obviamente indo trabalhar. Com certeza perdeu a habilitação por que estava dirigindo bêbado, por isso tem de usar a bicicleta.”
Devemos evitar qualquer coisa que cause confusão sobre o que somos. “Abster-se de toda aparência do mal.” (1Tessalonicenses 5.22). Quando Cristo veio, sua aparência física não era atraente “Porque foi subindo como renovo perante ele e como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse.” (Isaías 53.2). Mas apesar de Jesus não ter beleza aparente, a beleza do brilho de Deus e a perfeição de ser a revelação de Deus para o homem, nos atraiu quando foi levantado da morte. Ele é nosso exemplo.
As impressões que temos, causam julgamentos e sentenças. Quer sejam impressões de pessoas ou de situações, quer seja a percepção de pecados na própria vida, reagimos de formas diferentes. Algumas pessoas se calam e se retraem, reservando a sua lógica pra si mesmo. Outros, agridem, difamam e destroem usando de verdades e de mentiras para municiar armas acusatórias contra quem já está machucado. Outros abraçam a carnalidade e com hipocrisia partem para “o crime”, fingindo até os mais altos níveis de espiritualidade. Mas o melhor caminho é olhar para o próximo e pra si mesmo não como mercadorias estragadas, mas como quem sabe o valor do produto final, redimidos e restaurados por Deus. Com amor, misericórdia e mansidão.“Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte;” (Mateus 5.13-14)
“Não seja o adorno da esposa o que é exterior, como frisado de cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de Deus.” (1Pedro 3.3-4)
Daniel
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