De Japoneses, Judeus e Cristãos:A Páscoa no Japão



Foi a primeira tatuagem que eu vi na vida. Hugo Rosenau, trazia em seu antebraço uma numeração que marcava sua estadia em Auschwitz. Nascido em 6/12/1915, Mr. Rosenau se tornou meu heroi. –“Eu estar a prrocurra das jornais da Brrasil!” disse à bibliotecária de Elkins Park. A jovem americana (mamãe), casada com família brasileira, foi saber mais sobre seu interesse. E Mr. Rosenau explicou em português com sotaque Yiddish/Alemão, que logo depois da guerra, ao ser libertado do campo de concentração, e antes de imigrar aos Estados Unidos, morou alguns anos “na Brrasil”. Aprendi com ele algumas coisas: Amor nos olhos, compaixão, generosidade, carinho, apreciar coisas saborosas da vida (uma vez, me pegou na escola e me levou pra comer pretzels).

Ele meio que nos adotou... Cuidava da nossa família, sempre se fazendo presente e dando presentes aos meus pais e a nós também. Pequenos mimos, "...um roupinha nova prra filhota adolescente!", (um pacote de Fruit of the Loom, cuecas americanas). Ingressos para assistir uma peça teatral (me lembro de ir ver Arsenic and Old Lace, presente dele). Sempre os recortes de jornal que falavam “da Brrasil” ou “das brrasileirras”. Ainda guardo com carinho um canivete suíço que ele me deu de presente (junto com uma carteira e nota de 100 dólares—a nota eu não tenho mais) quando eu fiz minha pública profissão de fé, aos 13 anos. As vezes eu ia ajudar a Mrs. Rosenau com pequenos projetos de jardinagem. Ajudei com a limpeza da casa para o Yom Purim. Ganhei uma cesta de biscoitos no formato de chapéus de três pontas, tinha geleia de blueberry dentro. Só de pensar me deu água na boca. Rosquinhas (doughnuts), frango frito e outras guloseimas na época do Hannukka, e carinho, muito carinho durante todos os anos de nossa convivência.

Um dos momentos mais especiais que tivemos, foi quando os Rosenaus nos convidaram para jantar em sua casa para a Ceia de Pessach. Enquanto nee Wisbrumm (Dona Carola Rosenau) preparava o cordeiro, e o restante daquele banquete, Mr. Rosenau me chamou de lado e pediu que, durante as preces antes da janta, eu perguntasse em tom oficial qual era o significado de toda aquela festa. Assim eu fiz, e ele, ao responder, nos relatou todo a historia do cativeiro e da libertação do povo de Israel. Ele também nos contou sobre a segunda guerra mundial, e o que haver estado num campo de concentração significava pra ele. A parte mais interessante da noite foi quando pediu que meu pai nos explicasse o sentido que tudo aquilo faria na nossa Páscoa Cristã. Papai (Wadislau) usou de todo tempo pra falar sobre Jesus, e, ao orar, pediu que o Senhor se mostrasse de forma especial para aquele lar que nos acolhia.

Hoje, longe, aqui na terra do Sol nascente, existe muito mais do que deturpações quanto às comemorações religiosas. Conheci um velhinho japonês que ao saber que eu era pastor perguntou se eu realmente acreditava no coelhinho da páscoa e no papai Noel. Pois esses são os representantes do cristianismo ocidental na Ásia. 

A ignorância também vai de cá pra lá... Aqui o pessoal de muitas igrejas menos sérias afirma e jura de pé junto que a referência ao Natal pela escrita XMAS é uma tentativa de retirar o Cristo do Natal. Gente, XMASS (Natal) é uma abreviação comum da palavra Christmass. Às vezes é pronunciado / ˈɛksməs /, mas o Xmas, e variantes como o Xtemass, originaram-se como abreviações de caligrafia para a pronúncia típica / ˈkrɪsməs /. O "X" vem da letra grega Chi, que é a primeira letra da palavra grega Christós (Χριστός), que se tornou Cristo em inglês. O sufixo -mas é da palavra do inglês antigo derivada do latim para a missa. 

Por que o Japão não celebra a Páscoa? Você pode estar pensando que a resposta é óbvia: o Japão não é um país cristão (menos de 1% dos japoneses proclamam fé cristã). Mas é um pouco mais complexo que isso. O fato é que o Japão celebra alguns festivais que estão associados ao cristianismo, mas em sua própria maneira japonesa. De fato, os elementos cristãos desses festivais geralmente não são transmitidos quando celebrados no Japão, deixando apenas os símbolos seculares (e muitas vezes pagãos) por trás, juntamente com algumas inovações exclusivas dos japoneses. Alguns desses festivais incluem:

Natal (Kurisumasu) - Embora talvez o festival mais importante em grande parte da Europa e das Américas, o Natal é um evento relativamente menor no Japão. Não é um feriado público para começar. É menos que uma ocasião para se reunir para comer com toda a família e dar presentes (embora a oferta de presentes no Natal não seja desconhecida no Japão) e mais uma ocasião para sair em encontros ou festas. É altamente comercializado, e nessa época você verá alguns símbolos familiares como bonecos de neve, árvores de Natal e Papai Noel. O que você não verá tantas vezes são imagens cristãs tradicionais como o presépio e a natividade. Então, na verdade, o Natal no Japão acaba parecendo mais com o Yule  (Yule ou Yuletide, é um festival historicamente observado pelos povos germânicos. Os eruditos ligaram as celebrações originais de Yule à Caça Selvagem, ao deus Odin e ao pagão anglo-saxão Mōdraniht.) do que com o Natal!

Algumas das novas tradições que o Japão criou para o Natal incluem bolo - uma espécie de pão de ló com cobertura branca, chantilly e morangos - e comer no KFC (Kentucky Fried Chicken).

A razão para o status relativamente discreto do Natal no Japão é que o Shinto já tem algo parecido - o Shōgatsu, ou o Ano Novo em 1º de janeiro. Isso envolve peregrinações familiares a santuários locais e refeições juntos, e talvez mais parecido com a essência do Natal no Ocidente do que o Kurisumasu (leia atentamente...) do Japão.


WhiteDay - Bolo White Day, dado por homens a mulheres um mês após o Dia dos Namorados no Japão. Este festival é talvez o único festival ocidental no Japão que na verdade se tornou mais complicado e ligado a rituais do que o seu equivalente ocidental. Não há referências a São Valentim no Barentain Dē (novamente, leia com atenção) do Japão, que é sobre a oferta de chocolate. Ao contrário do Dia dos Namorados em muitos países ocidentais, normalmente são apenas mulheres que dão chocolate. Eles dão dois tipos particulares de presentes de chocolate: Giri-choco ("chocolate de obrigação") para amigos e colegas sem anexos românticos, e honmei-choco ("chocolate favorito") para aqueles que realmente amam. Mas isso não é tudo. Um mês depois, no dia 14 de março, o Japão comemora o "Dia Branco", no qual todos os homens que receberam chocolate no Dia dos Namorados dão às mulheres algo em troca, geralmente chocolate branco. Tudo isso tem a ver com a cultura complexa do Japão em torno da reciprocidade e dádiva de presentes.

Halloween Japão - Dia das Bruxas (Harowin) - O Halloween parece estar se tornando mais popular no Japão. Você verá muitas abóboras, bruxas, fantasmas, morcegos e esqueletos decorando lojas e prédios públicos em outubro no Japão, embora atividades como festas a fantasia e Trick-Or-Treat sejam raras na minha experiência. Também é improvável que você veja representações de monstros e demônios nativos japoneses, ou rituais relacionados aos antepassados ou morte, porque o Japão tem suas próprias férias associadas a honrar espíritos que partiram, sendo o mais importante o festival Bon no verão. (veja http://ataduraseunguento.blogspot.com/2015/10/a-reforma-e-o-halloween.html e ainda http://ataduraseunguento.blogspot.com/2014/10/halloween-e-certo.html )

Voltando à Páscoa na casa de Hugo e Carola Rosenau. A razão que ele me puxou de lado e instruiu que perguntasse sobre o significado de toda aquela festividade, foi também para seguir a tradição de que o mais novo da casa fizesse quatro perguntas. É costume na tradição judaica que o membro mais jovem na mesa de jantar faça as Quatro Perguntas. Na ausência de uma criança ou adolescente, qualquer um pode fazê-lo. Se apenas um indivíduo estiver celebrando a Páscoa, também é aceitável dirigir as perguntas a si próprio. Depois que a pergunta central é feita, o líder responde, perguntando que diferenças os jovens ou as crianças percebem. 

A Páscoa ou Pessach é um grande feriado celebrado pelas comunidades judaicas em todo o mundo. Esta festividade comemora a libertação de judeus do Império Egípcio como escravos e a fundação da nova nação de Israel, sob a liderança de Moisés. 

A Páscoa também é associada à agricultura, marcando o início da época de colheita em Israel. Quais são as quatro perguntas e por que são recitadas na Páscoa? Embora seja uma festividade, é necessária a estrita observância dos costumes judaicos. E entre esses está o Seder, uma refeição familiar especial cheia de rituais que devem ser completados em ordem específica. Há 14 atividades em Seder, a quinta das quais é o Maggid (a história), a releitura da história do Êxodo dos judeus do Egito. 

Maggid é tradicionalmente iniciado com o membro mais jovem da família ou grupo, que faz as Quatro Perguntas. Os jovens acabarão por recitar as Quatro Perguntas ou respostas.  Essas, que na realidade são compostas de apenas uma questão central e quatro respostas diferentes, são as seguintes: 

A Questão Central 

“Pai, vou fazer-lhe quatro perguntas.”
“O que torna a noite da Páscoa diferente de todas as noites do ano?”

Primeira pergunta / resposta: “Em todas as noites do ano não precisamos temperar nossa comida sequer uma vez, mas na noite da Páscoa temperamos duas vezes! Na primeira vez, mergulhamos karpas em água salgada e, pela segunda vez, ervas amargas em pasta de charoset. ”

Segunda pergunta / resposta: “Em todas as noites do ano, comemos chametz ou matzá, mas na noite da Páscoa só comemos somente matzá

Terceira Pergunta / Resposta: “Em todas as noites do ano, comemos vários vegetais, mas na noite da Páscoa jantamos legumes amargos!” 

Quarta Pergunta / Resposta: “Em todas as noites do ano, comemos sentados ou reclinados, mas na noite de Páscoa todos nós comemos enquanto reclinamos! ”

Existem diferentes versões das Quatro Perguntas, mas geralmente começa com a frase que direciona a questão para o “Pai”. Isso, de acordo com a tradição judaica, simboliza o relacionamento entre pai e filho ou Deus e seus filhos aqui na Terra. Também é notado que quando uma criança pergunta, ela estimula ainda mais o amor de Deus. As Quatro Perguntas encorajam a participação ativa das crianças.

Naquela noite, aprendi multiculturalmente, que celebrar a Pascoa é celebrar a Cristo. Aprendi que o cristão deve sim, celebrar a Cristo como aquele que passou por cima dos nossos pecados. Enquanto algumas pessoas possam acusar aos crentes de fazer das tradições judaicas o nosso  “baú de brinquedos”, aprendemos com o apóstolo Paulo que o cristianismo é Judaico.

Em 1Coríntios 5.7 lemos: "Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós". Qual é a conexão específica entre a Páscoa e o sacrifício de Jesus Cristo? Aliás, o que é a Páscoa? Por que Jesus Cristo é chamado de "nossa páscoa"?

A leitura Cristã dos eventos no antigo Egito - Encontramos a Páscoa instituída em Êxodo 12. A nação de Israel foi escravizada no Egito, e os eventos foram se acumulando rapidamente para a terrível devastação que finalmente forçaria o faraó a libertar os israelitas da escravidão.

Por meio de Moisés e Arão, Deus ordenou a Israel que separasse um cordeiro para cada lar da nação. Antes do anoitecer, os israelitas deviam matar os cordeiros e colocar um pouco do sangue dos cordeiros nas laterais e no topo da moldura de cada casa. Cada cordeiro era para ser comido naquela noite pelos membros da família israelita que o oferecia (versículos 1-10).

Um acontecimento profundamente significativo aconteceria fora dos lares enquanto os israelitas estivessem lá dentro comendo esta refeição da Páscoa: “Pois eu passarei pela terra do Egito naquela noite, e ferirei todos os primogênitos na terra do Egito, tanto o homem como o homem. fera; e contra todos os deuses do Egito executarei juízo: Eu sou o Senhor. Agora o sangue será um sinal para você nas casas onde você está. E quando eu vejo o sangue, eu vou passar por você; e não haverá praga sobre ti para te destruir quando eu atacar a terra do Egito.”

Este evento aterrorizante ocorreu exatamente como Deus disse. E aconteceu que à meia-noite o Senhor feriu a todos os primogênitos na terra do Egito, desde o primogênito de Faraó, que estava sentado em seu trono, ao primogênito dos cativos que estavam na masmorra, e todo primogênito de gado. Então Faraó se levantou de noite, ele, todos os seus servos e todos os egípcios; e houve um grande clamor no Egito, porque não havia casa em que não houvesse um morto ”(versículos 29-30).

Os mortos provavelmente chegavam a centenas de milhares. Faraó, tendo ignorado precocemente pragas e advertências sérias, aprendeu da maneira mais difícil que o Deus dos israelitas não era um Deus a ser enganado. Os israelitas foram libertados.

Lições importantes para nós  - Há lições vitais para toda a humanidade nesses eventos. Deus chamou o cordeiro sacrificial de “a páscoa do Senhor” e “o sacrifício pascal do Senhor” (versículos 11 e 27). Foi assim chamado porque Deus prometeu: “Quando eu vejo o sangue, eu vou passar por você; e não haverá praga sobre ti para te destruir ”(versículo 13).

Cerca de 1.500 anos depois, o apóstolo Paulo usou esse mesmo termo para descrever Jesus Cristo. Por quê?

No cenário da Páscoa original, o sacrifício dos cordeiros significava que aqueles que participassem desse sacrifício seriam poupados do julgamento de Deus. Se os israelitas ignorassem ou desobedecessem a advertência de Deus, sofreriam a morte de seus primogênitos juntamente com os egípcios. Este sacrifício foi requerido para poupá-los da morte e grande tristeza.

Paulo e outros escritores do Novo Testamento entenderam que os cordeiros da Páscoa mortos no Êxodo prenunciava o sacrifício posterior de Jesus Cristo. “Andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós, uma oferta e um sacrifício a Deus por um aroma adocicado”, escreveu Paulo (Efésios 5.2).

O livro de Hebreus nos diz que Jesus Cristo “apareceu para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” e “ofereceu um sacrifício pelos pecados para sempre” (Hebreus 9.26; 10.12).

Como os antigos israelitas e egípcios, toda a humanidade teve a penalidade do pecado de miséria e morte pairando sobre ela. Nós merecemos por causa de nossos pecados (Romanos 3.23; 6.23). Mas, assim como o sacrifício dos cordeiros da Páscoa no tempo do Êxodo poupou os obedientes israelitas, o sacrifício de Jesus Cristo removeu a pena de morte de nós (Romanos 5.9; Efésios 1.7; Colossenses 1.14).

João Batista, quando Cristo veio a ele para ser batizado, exclamou: “Eis! O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo! ”(João 1.29). Graças a Jesus Cristo, somos capazes de nos libertar da penalidade do pecado.

Cordeiro da Páscoa simbólico - O cordeiro pascal também prefigurou Cristo de outras maneiras. Era para ser "sem defeito", ou sem deformidades (Êxodo 12.5). Isso simboliza a pureza espiritual de Jesus Cristo, “que não cometeu pecado, nem engano foi encontrado em sua boca” (1Pedro 2.22).

O apóstolo Pedro salientou que fomos redimidos ou comprados de volta por Deus - não com riqueza material, “mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem defeito e sem defeito” (1Pedro 1.19).

Até mesmo alguns aspectos de como os cordeiros da Páscoa seriam mortos simbolizava a morte de Jesus. Os israelitas foram instruídos a não quebrar nenhum dos ossos dos cordeiros (Êxodo 12.46). Embora uma prática comum nas crucificações fosse quebrar as pernas dos criminosos sofredores para apressar a morte, Jesus Cristo já estava morto quando os soldados romanos chegaram a quebrar as pernas, de modo que seu corpo foi poupado de mais profanação. “Pois estas coisas foram feitas para que a Escritura se cumprisse: 'Nenhum dos Seus ossos será quebrado'” (João 19.36).

O profeta Isaías, descrevendo a vinda da morte sacrificial do Messias, escreveu: “Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a boca; Ele foi conduzido como um cordeiro ao matadouro, e como uma ovelha diante de seus tosquiadores é silenciosa, assim Ele não abriu a Sua boca” (Isaías 53.7). Esta também foi uma profecia cumprida na morte de Jesus Cristo (At 8.32-35).

A memória dos Rosenau me traz muita alegria. Também me faz pensar sobre as implicações históricas e tradicionais do judaísmo e do cristianismo na minha tarefa de proclamar o evangelho aqui no Japão, onde há tanta desinformação e muitas deformidades daquilo que deveria ser nossa maior celebração.

Mr. Rosenau faleceu em 11 de dezembro de 2007. Sua esposa D. Carola, já havia deitado à cova alguns anos antes. Não tenho certeza se vieram a conhecer o Senhor Jesus como seu cordeiro pascal. Naquela noite, naquela Seder, certamente ouviram as boas novas de que essas e muitas outras escrituras nos ajudam a entender a maravilhosa verdade de que, como o Cordeiro de Deus, “Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós”. Gosto de pensar que talvez o Senhor Jesus tenha se apresentado a eles de forma especial, não sei, só Deus sabe, mas sei que a nossa celebração da Páscoa hoje é feita na mesa da Ceia do Senhor, quando a sua igreja se reúne. Firme nas promessas de que, no retorno do Rei, participaremos juntos da festa e beberemos juntos a alegria do Senhor.

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